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20% dos projetos apresentados na Câmara de Sorocaba são inconstitucionais

15 de Janeiro de 2020 às 10:49
Marcel Scinocca [email protected]

Na Câmara, para cada cinco projetos protocolados, há um inconstitucional. Crédito da foto: Luiz Setti (07/01/2020)

O porcentual de projetos inconstitucionais na Câmara de Sorocaba, em 2019, chegou a 90% quando o quadro é analisado por vereador. No ano passado, a Câmara recebeu 192 projetos de lei de parlamentares. Desses, 43 receberam parecer de inconstitucionalidade da Comissão de Justiça, ou seja, para cada cinco projetos protocolados, há um inconstitucional. Projetos inconstitucionais são aqueles que apresentam deficiências jurídicas em seus textos e, em muitos casos, se transformados em lei, não podem ser aplicados.

Em algumas situações, quando o projeto vira lei, acaba sendo discutido na Justiça. Esse é um dos motivos que fazem com que Sorocaba seja uma das cidades com o maior número das chamadas Adins -- Ações Diretas de Inconstitucionalidade -- do Estado de São Paulo.

Como exemplo desses projetos, no ano passado, o vereador Vitor Alexandre Rodrigues, o Vitão do Cachorrão (MDB), apresentou 10 projetos de lei. No mesmo ano, ele teve nove projetos com parecer de inconstitucionalidade. Fausto Peres (Podemos) apresentou 13 projetos de lei no ano passado, No mesmo período, ele teve seis com parecer de inconstitucionalidade. O porcentual é de 46% das iniciativas.

No cenário de projetos inconstitucionais, Rodrigo Manga (DEM) aparece na terceira posição. Ele apresentou 16 projetos, sendo que no mesmo período cinco iniciativas dele receberam parecer de inconstitucionalidade. O porcentual é de 31%.

A vereadora Cintia de Almeida (MDB) apresentou cinco projetos de lei no ano passado, sendo que dois receberam parecer de inconstitucionalidade. Também apresentaram projetos com parecer de inconstitucionalidade, em 2019, os vereadores Anselmo Neto (PSDB), Silvano Junior (PV), Fernanda Garcia (Psol), Fernando Dini (MDB), Helio Brasileiro (MDB), Hudson Pessini (MDB), Iara Bernardi (PT), João Donizeti (PSDB), Luis Santos (Pros), Péricles Régis (PMDB), Renan Santos (PCdoB) e Wanderley Diogo (PRP). O quadro mostra que 80% dos vereadores da Câmara de Sorocaba apresentam projetos que, na prática, não podem virar lei.

“Exemplo”

Um dos projetos do parlamentar Vitão, o primeiro protocolado em 2019, dispõe sobre o recebimento, depósito e doação de resíduos de construção para pessoas carentes e entidades beneficentes no município. A Comissão de Justiça deu parecer pela inconstitucionalidade da iniciativa. O documento da comissão ainda salientava que iniciativa igual já havia sido derrubada pelo Tribunal de Justiça do Estado.

Ainda assim, o projeto foi para análise do Executivo, que enviou documento falando sobre a inaplicabilidade do mesmo. Após todas as manifestações, a iniciativa continuou tramitando, saindo de pauta por 17 sessões. O projeto está engavetado desde setembro de 2019.

Na Legislatura

Nesta legislatura, ou seja, de 2017 até 2019, os vereadores da Câmara de Sorocaba apresentaram 146 projetos com parecer de inconstitucionalidade. Desses, 18 tiveram os pareceres derrubados no plenário da Casa e seguiram adiante. No mesmo período, cinco deles foram judicializados, ou seja, estão sendo discutidos na Justiça. O maior número de projetos inconstitucionais foi apresentado em 2018, quando os parlamentares protocolaram 71 projetos nessas condições.

Em 2019, foram 392 projetos de lei

No total, 392 projetos de lei foram apresentados na Câmara de Sorocaba, em 2019. Entretanto, 51% desses projetos -- 200 deles -- tiveram origem no Executivo. O vereador Engenheiro Martinez (PSDB) foi o que mais apresentou projetos de lei. foram 19 no total, o que equivale a 10,1% do global apresentado pelos vereadores. Na sequência, aparece o vereador João Donizeti Silvestre (PSDB), com 18 projetos. Fernando Dini (MDB), atual presidente da Câmara, apresentou 17.

Já os requerimentos, foram 2.639. O vereador Péricles Régis (MDB) foi o que mais usou o instrumento, 359 vezes. O número equivale a 13,6% do total. Na sequência, aparece o parlamentar João Donizete Silvestre, com 204 requerimentos apresentados. Hudson Pessini (MDB) apresentou 200 requerimentos.

Para especialistas, vereadores têm de conhecer leis

Joara Marchezini, coordenadora da área de acesso à informação da organização Artigo 19, fundada na Inglaterra e com unidade em São Paulo desde 2007, acredita que é preciso tomar medidas para mudar o cenário. “O acesso à informação é chave para a melhoria de políticas públicas, e nesse caso, a partir desses números, seria interessante um processo de discussão e aperfeiçoamento para transformar esse cenário, gerando mais efetividade”, opina.

Ela ainda indica dois caminhos para a mudança. “Acreditamos que aumentar a capacidade técnica dentro da Câmara e aumentar a participação social nos processos de discussão e aprovação de leis possa trazer melhoria no fazer legislativo municipal. A garantia da legitimidade de uma lei deve observar a Constituição federal e também a voz cidadã, em sua pluralidade e diversidade”, opina.

Marcio Leme, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Sorocaba, fala em excesso. “Ao que se percebe, muitas vezes o vereador desconhece o sistema constitucional de delimitação de competências. Por isso, apesar da boa intenção, legislam sobre questões que extrapolam os limites da atuação do vereador, movimentando toda máquina pública, muitas vezes dando causa a ações judiciais do Poder Executivo para derrubar as leis inconstitucionais produzidas e promulgadas pela Câmara de Vereadores ao arrepio das regras constitucionais”, afirma.

Leme também crítica. “Além disso, percebemos que vereadores, mesmo cientes das inconstitucionalidades de projetos de leis que elaboram, ainda sim levam a frente o projeto com objetivo político, sem qualquer resultado prático para a população”, comenta, salientando que muitas vezes os parlamentares ignoram as imensas despesas que a situação acarreta aos cofres públicos, “com imensos prejuízos à população”. “Relevante em ano eleitoral conscientizar os candidatos a vereador os limites da atuação, assim como esclarecer a população para não acreditar em promessas de vereador de realizar ações que estão fora de sua competência”, conclui.