Cultura
Sorocaba que abraça o Sul e o Nordeste traz a história dessas culturas
Além de realizar trabalhos sociais, centros de tradições são referências para gaúchos e nordestinos
As culturas sulista e nordestina, opostas por ocorrerem em regiões extremas do País, mantêm participação ativa em Sorocaba, porém as duas ocupam lugares diferentes na história do município. A primeira tem seus costumes preservados pelo Centro de Tradições Gaúchas (CTG), situado na rua Salto de Pirapora, no Jardim Iguatemi, onde são realizadas atividades abertas ao público, como danças tradicionais do Sul. A segunda cultura é preservada pelo Centro Cultural de Tradições Nordestinas (CCTN), que tenta fazer com que as pessoas valorizem as raízes do nordeste, enquanto luta para conseguir uma sede própria.
Primeiro, para contextualizar a participação das duas linhagens na cidade, é preciso voltar um pouco no passado. Assim que começou a ser habitada por Baltazar Fernandes, a “terra rasgada” — inicialmente povoada pelos Tupiniquins — foi local de paragem de muitas pessoas em razão da primeira tropa de muares que chegou na região, em 1733, conduzida pelo Coronel Cristóvão Pereira de Abreu, fundador do Rio Grande do Sul (RS). Assim, deu-se início a um novo ciclo histórico na cidade: o do Tropeirismo — que impulsionou a formação da feira de muares, atraindo ainda mais migrantes de todo o País.
O professor de história, de 74 anos, Adilson Cezar, que também é o atual presidente do Instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Sorocaba (IHGGS), explica que a manifestação gaúcha na cidade é mais pujante. “Por conta da condição geoestratégica da cidade, a manifestação da cultura gaúcha é bem mais pujante do que a nordestina em Sorocaba, que é onde fica o término da primeira estrada que liga o RS à nossa região”, explica. “Sorocaba demora um pouco mais para receber essa influência (nordestina) porque temos aí um meio caminho entre o Nordeste, que é Minas Gerais”, disse.
Cezar também explica que alguns hábitos comuns do sorocabano, como fazer churrasco, tomar vinho, cerveja, e até os modos de falar são provenientes da cultura sulista. João Carlos Taborda, de 59 anos, o “patrão” do CTG Sorocaba — como o dirigente é comumente chamado — fala que a entidade oferece um trabalho social, cultural e artístico. “Acho importante difundir e manter nossa cultura. A cidade de Sorocaba teve grande participação dos gaúchos desde os tropeiros. As pessoas deviam saber a história, pois quem não sabe de onde veio não sabe para onde vai”, afirmou.
Calendário CTG
Na sede do CTG, às quartas-feiras, a partir das 20h, os membros realizam aulas de chula — dança típica baseada em desafios e batidas de pé. Na quinta-feira, tem aulas de dança de salão, das 19h30 às 21h, com prática de todos os ritmos do Sul. E na sexta-feira, também às 20h, tem aulas de sanfona. Todas estas atividades são abertas ao público. Nos outros dias da semana há ensaios da invernada artística no local, a partir das 19h. Porém, como a invernada visa à competição, a atividade é mais restrita aos membros do CTG.
Além disso, a partir de amanhã (13) começa a semana farroupilha. Até o dia 20 serão realizadas várias atrações na sede do CTG. A abertura do evento, que começa às 20h, também conta com a participação da orquestra da Polícia Militar de Sorocaba. A programação completa da semana pode ser obtida por meio do telefone (15) 3388-7438.
E os nordestinos?
“Dizem que nordestino não nasce, ele estreia, de tanto que gosta da cultura dele”. Quem diz essa frase, dando risada, é a pedagoga e folclorista Mary Dantas Agostineli. Radicada em Sorocaba, ela é paraibana, mas, como costuma brincar, não é “mulher-macho, e sim muito feminina”. Mary, que tem 80 anos, também é apresentadora do programa “Raízes do Nordeste”, transmitido pela Cruzeiro FM 92,3.
Ela fala que a cultura do Nordeste é muito influente em todo o País, porque a história do Brasil começou lá, com os negros, indígenas, portugueses e holandeses. E quando os nordestinos migram para o sudeste, por volta da década de 50 e 60, eles trazem uma bagagem cultural desconhecida até então para os paulistas. “Aqui, em Sorocaba, vieram muitos nordestinos para trabalhar na indústria têxtil, criada por Severino Pereira da Silva, um grande industrial pernambucano. Quando minha família chegou na cidade, ali na região da Nogueira Padilha, onde tem muita influência espanhola, as pessoas achavam que nós éramos estrangeiros porque tínhamos sotaque e falávamos diferente”, falou.
Segundo Mary, a vinda do nordestino se concentrou principalmente na zona norte. Lá, dá para encontrar o acarajé, o baião de dois, bolo de rolo, cordel, repente, e outras tipicidades do Nordeste. “A festa junina, que é festa de São João, por exemplo, foi trazida pelos portugueses e se enraizou no Nordeste. Depois, os nordestinos levaram essa festividade para os locais onde iam e isso foi crescendo e conquistando mais pessoas até se tornar parte do calendário nacional”, disse. “Até no jeito de falar teve influência. Sorocabano vive falando ‘vixi’, ‘cabra da peste’ e outros linguajares que vêm do Nordeste”.
Preconceito
“As pessoas pensam que Nordeste é só seca e fome”. A afirmação é da pedagoga e presidente do Centro Cultural de Tradições Nordestinas (CCTN) em Sorocaba, Selma Regina da Silva Araújo, de 56 anos. Selma veio de Pernambuco para a cidade em 1993 e conta que, na época, foi alvo de xenofobia. “Eu sofri muito preconceito quando cheguei. Meu primeiro emprego foi em um hospital e lá bastava eu abrir a boca que todo mundo tirava sarro perguntando ‘oxente bichinha tu veio fugida da seca?’ ou ‘teve que comer calango lá, foi?’, relata. “Automaticamente eu ficava muito brava, mas elas continuavam me mangando” — “mangar” é uma expressão do Nordeste que significa tirar sarro.
Já Mary conta que, ao chegar em Sorocaba, a atenção que recebeu das pessoas por conta de seu sotaque não era ruim por ser novidade, mas, com o tempo, começou a incomodar. “Parecia que a gente era atração de circo, vinham para dar risada da gente. No começo era novidade, mas começou a incomodar, eles diziam ‘ah lá, manda o nordestino falar’. E isso a gente pode ver como um preconceito”. Selma completa: “ao invés de sentir vergonha, queremos que o nordestino sinta orgulho. Precisamos falar que Nordeste não é só sertão e litoral”.
Por conta de a xenofobia ser combatida na sala de aula, o CCTN — que realiza um trabalho itinerante, pois ainda luta para que a Prefeitura de Sorocaba ceda um terreno para uso da entidade — recebe eventualmente convites de escolas para palestrar e fazer atividades sobre a cultura nordestina. “Lá, eu explico para as crianças que não se pode zoar uma pessoa porque ela fala diferente, são variações linguisticas que ocorrem de uma região para outra”, conta Selma. “Não está errado, é a forma de falar de determinada região, assim como aqui as pessoas falam ‘chovendinho’ e ‘arvrinha’”, finaliza. (Luís Pio - programa de estágio)
Galeria
Confira a galeria de fotos