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Ondina Seabra, a professora dos sorocabanos

22 de Novembro de 2020 às 00:01
Manuel Garcia [email protected]

Ondina Seabra, a professora dos sorocabanos Ondina Seabra tem 99 anos, gosta de acordar cedo, ler jornal, ouvir Roberto Carlos e conversar com as amigas. Crédito da foto: Divulgação

Com sorriso fácil, voz rouca e poderosa, a diretora de escola aposentada Ondina Seabra encanta a todos por onde passa, aos 99 anos (38 deles dedicados à educação). Ondina foi a primeira mulher negra a lecionar na cidade de Sorocaba, seu nome é relacionado à educação, respeito e carinho entre todos. Com uma grande disposição, ela nos recebeu em sua casa, na Vila Jardini, mostrou com orgulho a sua coleção de porcelana e de discos do rei Roberto Carlos. Ondina mantém uma vida ativa, gosta de ler todos os dias o Jornal Cruzeiro do Sul, assistir televisão, e bater papo com as amigas pelo telefone. Conheça a história de Ondina Seabra, a primeira professora negra de Sorocaba.

Onde e quando a senhora nasceu?

Eu nasci no dia 1º de julho de 1921, sou filha de João Seabra e Martha Vianna Seabra. Passei minha infância na rua Padre Luiz, depois morei na rua Leopoldo Machado e na rua Santa Clara. Eu conversava com todo mundo, era amiga de todo mundo; a praça central era nosso quintal. Sorocaba tinha uma cara de vila pequena naquela época, lembro dos clubes Recreativo, Círculo e Sorocaba Clube, lembro das festas, dos bailes, dos movimentos. Eu adorava brincar, brincava de tudo o que podia junto com meus irmãos e os coleguinhas que tinha ali no Centro. Adorava ir no cinema São José, aquilo para mim era o máximo, adorava ver os filmes. Meu pai era sapateiro e minha mãe era empregada, tinha mais três irmãos, duas meninas e um menino, todos já falecidos.

Como foi seu primeiro contato com a educação?

Minha mãe queria, para os filhos, uma vida diferente da que conhecia, e fez todo o sacrifício necessário para que eu estudasse. Ela queria um futuro melhor, e sabia ele viria através dos estudos. Lembro dela falando ‘‘Filha: não quero você queimando a barriga no fogão dos outros”. Com 7 anos fui levada por um amigo de papai para escola, ele me matriculou no Antônio Padilha. Naquela época existiam poucos alunos negros estudando. Lembro que eu atravessava o jardim dos bichos para chegar na escola. Lá eu estudei e tomei gosto pela arte de ensinar. Lembro que cresci na casa da família Rogick, pois minha mãe trabalhava lá, eles me levavam para tudo canto.

Como era a cidade de Sorocaba da sua infância?

Existia praticamente só o Centro, o resto era tudo zona rural. Lembro da Câmara Municipal e Cadeia, onde hoje é o Correio, morria de medo de passar na porta e um preso escapar. Lembro do Gabinete de Leitura, que era uma casinha pequena, lembro dos clubes, do Mercadão Municipal, das ruas de terra, das lamparinas, dos casarões. Nossa! Era uma cidade bem diferente do que temos hoje. Todo mundo se conhecia, todo mundo se respeitava, a palavra naquela época valia, íamos no comércio e comprávamos as coisas e o dono da loja anotava no caderno e passávamos lá no final do mês pagar. Era uma cidade com jeito de vila, que não tinha violência.

E como foi seu começo como professora?

Fui para a cidade de Martinópolis, do lado de Presidente Prudente, eu dava aula em uma escola rural. Quando cheguei o pessoal meio que estranhou por ser negra, mas ninguém reclamou, fiquei lá por dois anos. Depois fui para Santa Helena, onde já passei a assumir a direção e depois para Votorantim e daí Diretoria de Ensino. Sempre me dei bem com os outros professores, os pais e as crianças tinham medo de mim (risos), mas nunca fui uma professora ruim, porém, sempre gostei de manter a ordem. Eu adorava fazer uma festa na escola, comemorava todas as datas, festa junina era um acontecimento.

Como era o ensino na sua época?

Era diferente de hoje na minha opinião, os alunos eram como se fossem filhos, eles tinham um grande respeito pelo professor, eles iam realmente para aprender. Na minha época eu me comunicava com os alunos com o olhar. Ensinava disciplina, moral e cívica. Na minha época jamais um aluno levantava a voz para um professor. Tenho uma satisfação tão grande de ver meus alunos já com filhos, netos e bisnetos com suas profissões.

A senhora sempre gostou de um baile?

Eu sempre adorei um baile, adoro dançar, sou festeira até hoje mesmo com 99 anos. Lembro dos carnavais que brincava na rua, lembro do começo do 28 de setembro, adorava dançar no Estrada. Eu era uma das poucas negras que entrava no Sorocaba Clube, tinha que ir acompanhada de alguém branco. O Sorocaba na minha época era um verdadeiro palácio. Pena que minha perna não ajuda, mas que é uma delícia um baile e dançar é. Eu lembro dos carnavais do Círculo Italiano, para mim era o melhor carnaval, lembro que ficava vendo as pessoas do clube dançando no meio da praça. Eu ia nos bailes e encontrava todos os amigos, entrava dançando e saia dançando.

Frente Negra de Sorocaba, o que foi este movimento?

A Frente Negra de Sorocaba era formada na maioria pelos moradores da Vila Leão. O movimento tinha como objetivo levar educação aos negros da cidade, promover cultura, lazer e tentar dar uma vida melhor para a comunidade. Lembro que o Salerno das Neves era o líder na época. Dia 13 de maio era um grande dia. Lembro que desfilava junto com minha mãe e minhas irmãs. Só desfilava a comunidade negra. E algum simpatizante branco. Era uma noite de homenagens, de discursos e de festa. A Frente teve algumas sedes no centro da cidade e depois acabou virando o que é hoje o ‘‘28 de Setembro‘‘

A senhora sofreu algum preconceito durante sua vida?

Eu lembro que quando era jovem eu não tinha com quem dar volta na praça, no footing, pois os homens eram de um lado, mulheres de outro lado e os pretos no meio. Eu sofria preconceito dos próprios negros na época, eles achavam que eu queria ser branca. Eu também sofria preconceito de brancos, porém, nunca foi de alguém chegar e falar algo para mim, mas de olhar de forma diferente. Acho que o fato de ter sido diretora de escola e ter cara de brava me ajudou muito, sei que muitos negros sofrem, hoje em dia está muito pior essa questão de racismo; porém, eu nunca senti nada grave. Se a nova geração não lutar nunca vão conquistar o melhor lugar, estão acostumados a ver só brancos nos melhores lugares e temos que lutar para ganhar espaço, pois capacidade temos, a vontade de trabalhar, de vencer, de ser feliz, todo mundo tem, não importa a cor, só precisa para os negros é espaço e igualdade. Sei que o preconceito existe e deve ser combatido, todos somos iguais e na hora que morreremos não existe cor, nem dinheiro, vamos ser enterrados iguais, ninguém é melhor que ninguém.

A senhora está com 99 anos. O que espera da vida?

Eu espero nada e espero tudo, às vezes acho que posso conquistar o mundo ainda, eu não penso na morte, não quero saber o que é morte, adoro a vida, e tenho um carinho por ela, adoro acordar cedo, ler meu jornal, fofocar com as amigas pelo telefone. Adoro ouvir minhas músicas, meu Roberto Carlos que amo de paixão. Eu quero é viver e ser feliz até o último segundo de vida, e quando morrer, quero poder abraçar minha mãe lá no céu e poder dormir abraçadinha com ela dinovo.

Família: Minha mãe.

Sucesso: Não sei se tive, mas tudo para mim é bom.

Um lugar: São Paulo, amo aquela cidade

Um desejo: Dançar sempre.

Um amor: A minha vida.

Ondina Seabra, a professora dos sorocabanos Ao fundo, inspetor Otávio e auxiliar Antonio Marciano, à frente vice-diretora Ondina Seabra, auxiliar Zimar de Campos Alarcon e diretor José Peirete. Crédito da foto: Divulgação

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