Editorial
Por um atendimento digno na saúde
O Governo de São Paulo anunciou que vai passar a complementar o valor que os hospitais privados, Santas Casas e filantrópicos recebem do Ministério da Saúde
O Brasil tem um dos maiores e melhores sistemas de saúde pública do mundo. São poucos os países que têm a capacidade de atender 190 milhões de pessoas, sendo que a grande maioria depende exclusivamente desse tipo de auxílio. Há falhas, filas e a rapidez nem sempre é aquela que o paciente deseja, mas dificilmente alguém que entra para o sistema fica desamparado.
Essa conquista genuinamente brasileira não é de hoje. Na década de 1980, quando se discutia a aprovação da nova Constituição, a pressão da sociedade civil foi grande para que se garantisse, na Carta Magna do País, a necessidade de se incluir esse tipo de benefício social. O movimento fez efeito e um capítulo inteiro da Constituição passou a ser dedicado aos cuidados, obrigações e deveres com a saúde pública. É nessa época que nasce, oficialmente o Sistema Único de Saúde, que acabou regulamentado em 1990.
O SUS foi criado para ser gratuito, uma vez que seus princípios básicos levam em conta a integralidade, a igualdade e a universalidade dos atendimentos. O problema é que o valor de todo esse serviço acabou ficando caro demais para os cofres públicos. Isso provocou um desequilíbrio entre o custo dos procedimentos médicos e o que era pago pelo Governo Federal. Esse descompasso prejudicou, em muito, o atendimento e enfraqueceu a qualidade de hospitais que faziam parte da rede. As entidades filantrópicas, como as Santas Casas, foram as que mais sofreram e, até hoje, muitas delas enfrentam sérios problemas financeiros.
Segundo o Conselho Federal de Medicina, mais de 1.500 procedimentos hospitalares incluídos na Tabela SUS estão totalmente defasados, longe da realidade do valor que realmente custam. Corrigir esse tipo de discrepância tem sido um desafio cada vez maior. De acordo com dados da Defensoria Pública, a defasagem da tabela que remunera os serviços realizados no âmbito do SUS é uma das principais causas de judicialização da saúde no País. São processos e mais processos correndo nas diversas varas, de Norte a Sul. Os pacientes e familiares buscam, numa decisão judicial, apoio para realizar procedimentos complexos e até o fornecimento de medicamentos de alto custo que garantam qualidade de vida e a sobrevivência de quem não consegue resposta adequada no sistema público.
Preocupado com esse problema, e diante da inércia da esfera federal, o Governo de São Paulo anunciou na segunda-feira, 28, que vai passar a complementar o valor que os hospitais privados, Santas Casas e filantrópicos recebem do Ministério da Saúde. Essa iniciativa deve beneficiar cerca de 350 hospitais do Estado. A proposta prevê remunerar em até quatro vezes mais o que é pago pela Tabela SUS. Os repasses com o reajuste começarão a ser feitos em 2024, já que é preciso esperar a aprovação de um novo orçamento estadual que contemple a despesa com esse programa.
Essa medida vai beneficiar, principalmente, os hospitais filantrópicos e Santas Casas, setor que representa cerca de 50% dos atendimentos de saúde em São Paulo. O governo paulista espera que o aumento nos repasses possa reduzir as filas para cirurgias e procedimentos. Os reajustes valem para cerca de 5 mil procedimentos hospitalares. O governo estadual pretende investir R$ 2,8 bilhões para honrar esse aumento de repasses.
Durante o anúncio do programa, o governador Tarcisio de Freitas, destacou a importância da iniciativa. “Tenho certeza que vamos fazer a maior revolução de saúde de São Paulo dos últimos anos. Nós vamos fazer a diferença e salvar vidas de quem está na ponta, de quem está esperando uma cirurgia eletiva, um tratamento ortopédico ou operações que, muitas vezes, não são feitas por causa dos valores de remuneração. Nós vamos equacionar este problema”, garantiu o governador paulista.
Para se ter uma ideia da mudança, uma cirurgia de apêndice que hoje remunera o hospital em R$ 414,62 pela Tabela SUS vai passar a valer R$ 1.865,79. Uma cirurgia de vesícula (colecistectomia), que vale atualmente R$ 996,34, passa para R$ 4.483,53. A Secretaria Estadual da Saúde pretende investir também no aumento de partos normais. O valor pago vai passar de R$ 443,40 para R$ 2.217,00 por procedimento. A remuneração será superior ao que é pago nas cesáreas, que também subirão de R$ 545,73 para R$ 2.182,92.
A iniciativa do Governo de São Paulo vem em boa hora. Oferecer atendimento digno de saúde é uma das obrigações primordiais do Estado. Tomara que essa proposta paulista sirva de exemplo também para outros governadores e para o Ministério da Saúde. Só assim os brasileiros poderão ser integralmente amparados.