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Sem utopias, sem ilusões

07 de Dezembro de 2018 às 00:01

Sem utopias, sem ilusões Crédito da foto: Arte Lucas Araújo

Carlos Araújo

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Não acredito em nada. Nem em mim mesmo. Sou o ser mais cético que existe. E nada é capaz de reverter essa maneira de existir.

Não acredito na força vibrante das utopias, no encanto do amanhecer, no mistério que evidencia a desproporção entre o tempo terrestre e o tempo cósmico.

Não acredito na capacidade de Einstein de decifrar o tempo, o espaço e a matéria em equações que não podem ser compreendidas por gente comum.

Não creio que amanhã será outro dia, pois os dias se repetem como se não passassem e dão a sensação de que passado e presente se fundem para dar a impressão de que nada sai do lugar, nada é palpável, nada existe de fato. Não posso acreditar que um dia estou com alguém e que na manhã seguinte uma mensagem de WhatsApp informa que tal pessoa não existe mais porque morreu em acidente na noite passada.

Não creio em coisas que dizem que existam, simplesmente porque podem estar mentindo com a finalidade de me enganar.

Não acredito em provas; elas podem ser plantadas, distorcidas, fabricadas, encaixadas como luvas em mãos de mercenários hostis.

Não aceito mensagens de autoajuda, já que elas podem ter dado certo com alguns privilegiados mas nunca poderão garantir o mesmo resultado para todo mundo.

Não enxergo nenhuma maravilha nas promessas de paz, pois os homens pregam harmonia ao mesmo tempo em que se armam uns contra os outros.

Não ir a lugar algum, não viajar, não se deslocar nem mesmo por tédio e achar que tanto faz curtir o panorama opaco de uma favela carioca ou a luminosidade das noites de Paris; achar que, como disse Xavier de Montepin, o homem sensato viaja ao redor do seu quarto e a viagem mais interessante é feita pela imaginação.

Não se autoenganar com o pretendido suporte da autoajuda em busca da felicidade, porque esse caminho alternativo não leva em conta a fragilidade do ser e a total falta de controle humano quando são acionados os mecanismos que desencadeiam a condição trágica da existência.

Não se importar com a perda da capacidade de indignação, porque os picos de intensidade emocional fazem mal à saúde e também porque se convencionou dizer que tudo o que acontece é muito natural.

Não ter o discernimento suficiente para entender os acontecimentos, talvez porque sejamos de outro tempo, talvez por não termos a velocidade de adaptação compatível com as novas mudanças.

Nunca estar satisfeito, levando-se em conta que nenhuma ação é perfeitamente acabada, e entender que não é preciso ter todas as condições imaginadas para iniciar uma caminhada.

Não se deixar influenciar por discursos e frases feitas num determinado período da história, porque no futuro próximo tudo isso pode estar desfocado e o arrependimento nunca é medida de recuperação do tempo perdido.

Não anunciar planos em dezembro, porque essa é uma época em que afloram as fantasias e elas encantam pelo potencial de ilusões, mas não são capazes de dar conta da realidade e o resultado é sempre uma decepção que dói muito.

Aceitar a insignificância e a efemeridade das coisas, pelo simples fato de que o universo é um fenômeno indomável, selvagem, sem controle, princípio que aniquila todo tipo de arrogância e presunção de poder.

Não ser otimista só porque mandam ou porque essa é uma maneira de parecer agradável aos olhos dos outros, não ter vergonha de aceitar a constatação de que as coisas vão dar errado se não existem os elementos efetivos para que deem certo.

Não querer parecer ser o que não posso ser, mesmo que essa atitude signifique uma renúncia a outras possibilidades, exatamente porque não há outro jeito de me posicionar no mundo e porque a expressão “querer é poder” é uma ilusão sem tamanho. Ouvir Cazuza cantar “Eu vejo o futuro repetir o passado/Eu vejo um museu de grandes novidades” e achar que a poesia diz mais sobre nós do que qualquer outra linguagem.

Não quero acreditar em ilusões.