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O Natal de Miudinho (I)

13 de Dezembro de 2019 às 00:01

O Natal de Miudinho (I) Crédito da foto: Arte Lucas Araújo

Carlos Araújo - [email protected]

Miudinho, um garoto que vivia na rua e era tão pequeno que ganhou esse apelido, atravessou a ponte e tomou o rumo do centro da cidade.

Gostava de andar de um lugar para outro nessa época do ano. Havia mais gente na rua, tanta gente que as pessoas se atropelavam. Carregavam sacolas, olhavam vitrines, iam e voltavam, subiam e desciam escadas, entravam e saíam das lojas, comparavam preços e produtos.

As criaturas ficavam mais solidárias nesses dias que antecediam o Natal e Miudinho era beneficiado porque nesse período essa gente lhe dava mais atenção.

Quem não gostava dele eram os seguranças. Habitualmente era expulso quando entrava numa loja. A bermuda de um amarelo desbotado, a camiseta branca e amassada, os chinelos de dedo, tudo nele era suspeito aos olhos dos seguranças. Tinham medo de que ele cometesse furtos dentro da loja. Sua intenção era receber doações, mas ninguém acreditava.

Ficou deslumbrado com a decoração na praça em frente à principal rua do comércio. Mais do que as figuras das renas, do Papai Noel e da grande árvore de Natal, o que o atraía era o contraste das cores fortes em meio ao domínio do vermelho, do branco, do verde, do amarelo.

O saco de brinquedos nas costas do Papai Noel era uma atração à parte. Aproximou-se do velhinho de roupa vermelha e barba branca, recebeu um afago de mão na cabeça e um punhado de balas. Por um instante pensou no quanto devia ser sofrido usar a roupa quente de Papai Noel no calor da manhã de dezembro. Sem nada a dizer, afastou-se e entrou na rua do comércio.

No interior da lanchonete localizada no início da rua, dirigiu-se a uma senhora com jeito de avó e pediu que ela lhe pagasse um pão de queijo e café com leite. A mulher reagiu com olhar indiferente, fez um gesto de proteção à bolsa e o ignorou.

Miudinho deixou a lanchonete. Habituado à indiferença do mundo, não se importava mais com reações como a da senhora com cara de avó. Nem todas as criaturas eram solidárias no Natal.

A rua era um calçadão destinado só aos pedestres. Miudinho encantou-se com os ambulantes que vendiam brinquedos expostos em toalhas no chão e em caixas de madeira. O ruído de vozes fazia o espaço parecer uma Torre de Babel. Todos queriam gritar mais do que o outro no esforço de anunciar preços e mercadorias. Os gritos eram a alma do negócio na disputa pelo cliente.

Um ambulante tinha o gorro do Papai Noel na cabeça. Nem todos vendiam brinquedos. Havia redes, panos de cozinha, meias, camisetas, garrafas de água.

Identificou dois outros meninos que, como ele, também viviam na rua. Passou por eles, mas não se falaram. Conhecia-os de vista.

Entrou numa grande loja de brinquedos. Gostava do corredor que exibia uma farta coleção de bonecos que representavam os super-heróis da televisão. Estavam lá o Batman, Superman, Aquaman, Incrível Hulk, Homem-Aranha.

Os olhos de Miudinho brilhavam diante dos super-heróis. Desejava muito ter o poder deles. Queria ter a força para combater o mal e proteger os fracos. Sabia que tudo isso era fantasia, mas sentia prazer em se imaginar forte e corajoso.

Com as mãos, examinou vários super-heróis, acionou dispositivos que geravam ruídos, curtiu detalhes dos brinquedos. Desta vez, não foi escorraçado pelos seguranças.

Devolveu os brinquedos às prateleiras e saiu da loja disposto a tentar a sorte com o pão de queijo e o café com leite em outra lanchonete. A manhã avançava e ainda não havia posto nenhum alimento na boca. As balas do Papai Noel não enganavam a vontade de comer.

No calçadão, misturou-se de novo aos ambulantes. De repente, alguém gritou: “Olha o rapa!” E homens e mulheres com mercadorias nas costas começaram a correr. Um deles reclamou: “O que é isso? Não deixam a gente trabalhar.”

Miudinho correu também. Os fiscais se aproximavam em grupo, escoltados por guardas, e Miudinho não queria encrenca. Correu para a praça, onde os ambulantes se refugiaram. Depois, pediu dinheiro no semáforo de uma rua próxima, mas não conseguiu nenhum trocado. E nessas idas e vindas lá se foi mais um dia na existência do menino.