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Não me abandone, por favor

14 de Fevereiro de 2020 às 00:01

Não me abandone, por favor Crédito da foto: Arte Lucas Araújo

Carlos Araújo - [email protected]

Dizem que o primeiro amor é o mais verdadeiro entre tantos possíveis amores ao longo da existência. Nelson Rodrigues afirmava que o grande amor é o amor platônico.

Foram esses sentimentos que em 1978 aproximaram Romero Ruiz e Pâmela Astrid, dois jovens estudantes do ensino médio da escola estadual “Prof. Vicente Themudo Lessa”, localizada em Jandira, na Grande São Paulo.

Romero e Pâmela deviam ter 18 anos. Estudavam na mesma sala de aula, em espaços um ao lado da outro. Tinham perfis de liderança. Eram os alunos mais populares da classe e de toda a escola.

A presença deles atraía grupos de outros alunos para conversas banais e para as atividades pedagógicas. Se alguém vinha com a ideia de fazer uma festa, eles eram convocados para organizar a programação.

Eu tinha 15 anos e estudava na classe de Romero e Pâmela. Fui testemunha da história, juntamente com toda a classe. Recordei os acontecimentos no último fim de semana, quando me surpreendi com um vídeo no Facebook da dupla Jane & Herondy, famosa na época, cantando o sucesso “Não se vá”.

Entre nós, alunos e amigos de Romero e Pâmela, havia uma torcida geral para que eles assumissem o namoro que se anunciava como promessa. A canção “Não se vá” embalava o clima de romance do casal, mas eles teimavam em não oficializar o relacionamento.

Eram vistos sempre juntos. Chegavam juntos no início das aulas às sete da noite, sentavam-se juntos, circulavam juntos nas áreas da cantina, do pátio, das escadas e corredores, um aguardava o outro na saída do banheiro, e iam embora juntos às onze horas. Viviam sorrindo, felizes, mas negavam o namoro quando eram indagados pelos amigos e amigas loucos por fofocas.

Pâmela era uma bela jovem. Sedutora, olhos fulminantes, personalidade forte, elegância natural da mulher consciente de que nasceu para ser musa e arrebatar corações. Sua passagem tinha o poder de suspender conversas e produzir deslocamento de ar.

Confesso que eu também era encantado por essa garota poderosa, mas ela jamais olharia para um cara metido a poeta. Ao menos ela me inspirou alguns poemas. Outros igualmente se insinuavam para ela, mas sem chance.

Romero se destacava na aparência por vestir paletós, o que era um visual incomum entre os alunos. Presunçoso nos sonhos, acreditava na certeza de que teria um futuro bem sucedido. Também fazia parecer que tinha condição social superior na comparação com os outros alunos.

Romero e Pâmela eram falantes. Habitualmente os professores se dirigiam a eles com pedidos de silêncio para que não atrapalhassem as aulas.

Romero extravasava uma felicidade luminosa. E isso aconteceu após conhecer Pâmela. Todos nós percebíamos o quanto ele ficava encantado com a presença dela, o quanto ele era apaixonado. Dos sentimentos dela, sabíamos pouco ou quase nada.

Apaixonados se tornam bobos e isso é muito natural e prazeroso. Romero chegou ao ponto de gravar com sua voz a canção “Não se vá” em fita cassete e entregou o material para Pâmela no aniversário dela. Empostou a voz no trecho da canção que faz um apelo aflitivo: “Não me abandone, por favor / Pois sem você vou ficar louco.”

Nesse período, certo dia perguntei se ele imaginava a possibilidade de perder Pâmela. “Nem quero pensar nessa tragédia”, ele despistou. A resposta evidenciava que o namoro era curtido intensamente, embora o casal preferisse não se abrir para os amigos da escola. Talvez para não alimentar fofocas desnecessárias.

Uma noite, para surpresa de todos nós, Romero não foi à escola. E ele não era de faltar. Sua ausência durou duas semanas. O receio era de que estivesse doente. Alguém foi à casa dele, mas retornou sem notícia. Pâmela continuava a frequentar as aulas, mas se recusou a dizer o que acontecia.

As dúvidas só foram esclarecidas no dia em que Romero retornou às aulas. Ele havia raspado a cabeça, tatuado a figura de Anúbis no braço esquerdo e substituíra o jeito estiloso de se vestir pelo relaxamento da calça jeans desbotada, camiseta preta com estampa de caveira e o uso de coturnos como calçados. No comportamento, isolou-se de todos no fundão da classe e nunca mais falou com ninguém até o fim do ensino médio.

Dias antes, Pâmela começara a circular na companhia de outro jovem, também aluno da escola. Tememos uma briga entre os dois rivais, mas isso não aconteceu. Romero era um romântico e figuras desse tipo não lutam fora do campo de batalha do amor. Pouco depois, Pâmela se casou com o jovem que acabara de conhecer.

Romero não resistiu à dor do abandono. O apelo da canção de Jane & Herondy não foi atendido. Para não enlouquecer, ele renunciou ao ser vibrante e cheio de alegria de viver e se tornou um jovem marcado pela tristeza e perdição. Foi como se uma luz se apagasse. Terminado o ensino médio, ele sumiu para sempre e ninguém jamais soube que rumo tomou na vida.