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E o Cristo chorou

18 de Janeiro de 2019 às 12:30

Ilustração: Lucas Araújo

Naquela noite, eu estava muito triste. Durante o dia, tinha voltado para casa sem dinheiro e minha mãe havia me batido. “Tu é um traste, não serve nem pra arranjar dinheiro”, a voz dela martelava na minha cabeça. Então, saí de casa e fui para a rua. Perambulei o dia todo. Estive no Flamengo, no Catete, na Rocinha. Revirando o lixo de uma casa, encontrei o que comer: restos de um sanduíche, algumas bolachas quebradas. Quando escureceu, fui à Candelária. Eu precisava de um lugar para dormir e as escadarias da Candelária eram a melhor opção.

Sentado, fiquei olhando o movimento das pessoas passando, enquanto esperava o sono.

Mulheres lindas iam e vinham a passos apressados. Uma delas tinha cara de boazinha, tão diferente da minha mãe. Homens passavam. Um deles tinha o bigode fino, como o do meu pai. Meu pai... Onde andaria ele numa hora dessa, largado pelo mundo?

Depois, chegaram outros garotos. Uns, maiores do que eu, outros, menores.

Uns, doidões, pois tinham cheirado cola. Outros estavam apenas como eu, tristes, só esperando o sono chegar, pensando na vida, sonhando acordado.

Um garoto de uns treze anos, um dos maiores, aproximou-se de mim e perguntou se eu tinha cigarro. Eu não tinha e, diante da resposta, fiquei com medo que ele me batesse ou me expulsasse da Candelária. Para minha sorte, ele ficou satisfeito com a resposta e se retirou para um canto. Acho que ele também tinha uma história triste.

Lá pelas tantas, veio o sono. Tirei a camiseta, dobrei-a e, assim, improvisei um travesseiro. Escolhi um canto junto à porta da Candelária. Julguei que ali estaria mais seguro. A gente precisa da proteção divina durante o sono.

De madrugada, acordei com o ruído dos tiros. Parecia uma guerra. Era um massacre. Homens atiravam contra os meninos que dormiam em frente à Candelária.

Alguns meninos levantaram-se, correndo, mas foram abatidos pelas balas.

Outros, que nem tiveram tempo de acordar, morreram dormindo. Poucos sobreviveram.

De repente, eu senti uma leveza indescritível. Tive a sensação de que levitava.

Não, na verdade eu estava voando.

Passei sobre a Candelária. A igreja estava de luto. Diante dela, em meio a poças de sangue, estavam estendidos oito corpos de meninos no chão. E um deles era eu.

Voando, passei pelo Cristo Redentor. Só então me dei conta de que, pela primeira vez, eu estava feliz. Olhei para o Cristo e lembrei que um dia ele disse: “vinde a mim as criancinhas”, e só então senti-me amparado.

Mas, coisa estranha, os olhos do Cristo vertiam lágrimas. Ele estava triste, chorando... Ah se eu pudesse enxugar aquelas lágrimas e fazer o Cristo sorrir...

Carlos Araújo é jornalista do Cruzeiro do Sul.