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Velha política

04 de Outubro de 2019 às 00:01

A Reforma da Previdência vem sendo discutida há anos, sem que tenha saído até agora do papel. Poderia ter avançado no governo de Michel Temer, mas o ex-presidente gastou praticamente todo seu capital político defendendo-se de acusações no Legislativo e não avançou na questão previdenciária, um assunto que preocupa um grande número de governos ao redor do mundo por conta da combinação do aumento da expectativa de vida da população com a queda da natalidade. Esse cenário, acrescido de crises pontuais e regionais, condenam à insolvência os sistemas previdenciários concebidos em tempos passados.

No Brasil, a reforma foi bandeira de campanha de alguns candidatos à Presidência. A equipe do presidente Jair Bolsonaro, o candidato vitorioso nas últimas eleições, estabeleceu metas para reformas e a da Previdência se tornou um dos mais importantes pilares para alavancar o crescimento econômico. Nove meses após a posse do governo, o texto-base da reforma da Previdência já fez uma longa caminhada pelo Legislativo onde, diga-se de passagem, encontrou aliados importantes, como o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) que elegeu o tema como uma de suas prioridades. O assunto é delicado uma vez que cada parlamentar, antes de registrar seu voto ou emitir sua opinião, pesa as repercussões de seu posicionamento junto a seu eleitorado.

Ao passar pela Câmara, onde foi aprovada em primeiro e segundo turnos, ocorreu um enxugamento das propostas originais. Nas duas votações, a proposta original que previa a economia de R$ 1,2 trilhão em um período de dez anos foi desidratada. Os deputados conseguiram retirar ou amenizar pontos que resultaram na diminuição da economia dos cofres públicos em 303 bilhões, mais de 20% do que se esperava originalmente. As perdas foram assimiladas e o projeto acabou encaminhado para o Senado onde tinha-se a impressão de que o trâmite seria mais tranquilo. Não foi assim. Os senadores, com seus cortes e enxugamentos drenaram mais R$ 133,2 bilhões do impacto com a reforma da Previdência, somente no primeiro turno da votação. A desidratação maior veio do próprio plenário na votação desta semana. Os senadores reverteram alterações do pagamento do abono salarial do PIS/Pasep que restringia o pagamento do benefício, com um impacto de R$ 74 bilhões. No caso das pensões, o Senado voltou a vincular todas as pensões por morte ao salário mínimo. Também mexeu no pagamento do Benefício de Prestação Continuada e nas aposentadorias especiais. Também beneficiou os anistiados políticos. O governo queria cobrar alíquota previdenciária sobre esses benefícios (muitos recebem acima do teto do INSS), mas os senadores derrubaram a mudança. Foi um enxugamento e tanto. Em uma democracia, parlamentares representam os interesses da população, segmentos da sociedade que representam. Existem situações, entretanto, que os interesses coletivos deveriam se sobrepor aos interesses pessoais ou regionais. No caso em tela, deveriam também levar em consideração a iminência da quebra do sistema previdenciário, cada vez mais deficitário. Houve certamente pouca habilidade ou inexperiência por parte das lideranças que representam o governo. Se não queriam ver o projeto alterado dessa maneira, deveriam ter costurado melhor os acordos, trabalhado nas argumentações em favor dos projetos governamentais e do futuro do País.

Mesmo com esses cortes, que diminuem substancialmente o impacto da economia de recursos no orçamento da União nos próximos anos, a aprovação da reforma ainda não está garantida. Os senadores ameaçam parar a reforma no atual estágio enquanto o governo não cumprir o que eles alegam ser compromissos assumidos com as bancadas, basicamente emendas parlamentares para atender as regiões que representam. Também colocaram como condição para prosseguir na votação o risco da divisão dos recursos do megaleilão do petróleo ser alterada na Câmara. A votação do segundo turno está prevista para o dia 10, mas pode não ocorrer. Com isso, o relacionamento entre governo e Senado desandou nos últimos dias e o ministro Paulo Guedes chegou a cancelar encontros agendados com lideranças da Casa.

As últimas eleições gerais mostraram que a população quer mudanças na política. Não por acaso, houve uma grande renovação nas assembleias legislativas, Câmara Federal e Senado. Foi um recado que a velha política, dos conchavos e do toma lá da cá não tem mais vez. O que se percebe é que considerando a importância da reforma para o governo, senadores usam dos velhos métodos para pressionar o governo. Chantagem talvez seja a palavra apropriada. Um ano depois, muitos dos que se elegeram defendendo uma nova política mostram que têm memória curta e insistem nas velhas práticas.