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UPAs abandonadas

22 de Fevereiro de 2019 às 00:01

O atendimento na área da saúde está, ao lado da educação e segurança pública, entre as principais preocupações dos brasileiros. No país inteiro encontramos um sistema mal equipado, com carência de profissionais e filas imensas para qualquer tipo de atendimento pelo Sistema Único de Saúde, única alternativa para o grosso da população, aquela parcela gigantesca de cidadãos que não têm acesso aos planos de saúde. As deficiências nessa área são exploradas à exaustão durante períodos eleitorais. Há alguns anos o governo federal tomou a iniciativa ideia de espalhar unidades de Pronto Atendimento pelo país, para melhorar principalmente os atendimentos de emergência. As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) são diferentes das Unidades Básicas de Saúde, a porta de entrada do sistema de saúde brasileiro, e têm atendimento menos complexo que as Unidades Pré-Hospitalares (UPHs).

Para a construção de dezenas de UPAs concorreram interesses políticos, má gestão e o eterno interesse de abrir canteiros de obras beneficiando empreiteiras. À fome por novas obras do governo federal juntou-se a vontade de comer de políticos de muitos municípios, interessados em mostrar serviço a suas comunidades e resultou no descalabro da construção indiscriminada de UPAs em dezenas de municípios, sem levar em conta a capacidade financeira dessas prefeituras. Ou seja, foram construídos os prédios, mas a grande maioria dos municípios não tinha capacidade de equipar essas unidades, fazer a manutenção predial, muito menos pagar pelos profissionais que nelas trabalhariam como médicos enfermeiros, auxiliares, pessoal administrativo em vários turnos de trabalho, uma vez que as UPAs devem funcionar 24 horas para atendimento emergencial da população.

No final do ano passado, um levantamento nacional mostrou que foram construídas 145 UPAs pelo Brasil, a maioria no Estado de São Paulo, que consumiram R$ 268 milhões. A maioria está fechada, pois os governos municipais fizeram as contas e perceberam que não tinham como bancar o funcionamento dessas unidades. A região de Sorocaba tem vários casos, mas o exemplo mais gritante está em Votorantim onde duas UPAs foram construídas e permanecem fechadas há cinco anos, com o prédio se deteriorando. O município vizinho ganhou do governo federal uma unidade no Jardim Paulista e outra no Parque Itajaí. Assim que foram concluídas as obras, a exemplo do que ocorre no restante do país, começou uma novela que está longe de terminar. A Prefeitura de Votorantim descobriu que não tinha como bancar o seu funcionamento. Em 2017, quando o atual prefeito assumiu, a prefeitura pediu ao Ministério da Saúde que aceitasse a devolução dos prédios e o descredenciamento das UPAs. O governo federal descredenciou as UPAs, mas não tem como receber os prédios de volta. Além disso, recomendou que os recursos gastos nas construções -- R$ 4 milhões com as duas unidades -- fossem devolvidos, o que ainda não aconteceu. No ano passado, durante o governo de Michel Temer, o Ministério da Saúde flexibilizou a utilização dos prédios das UPAs, mas não eliminou a necessidade do ressarcimento dos cofres federais com o dinheiro investido nas construções. Esse decreto prevê que as unidades poderão ser transformadas em Centro de Atenção Psicossocial (Caps), Centro Especializado em Reabilitação (CER), Academias de Saúde, entre outras destinações ligadas à rede de atenção à saúde.

Esse planejamento tortuoso que cria obras inúteis permeou o governo em todos os níveis nos últimos anos. Governantes têm o costume de entregar obras físicas que garantem exposição na mídia e créditos políticos junto à população, mas o custeio corre por conta dos municípios que, em geral, vivem em situação financeira crítica e mal conseguem honrar a folha de pagamentos. Casos como esses criam situações embaraçosas para as prefeituras, pois os munícipes se revoltam ao ver prédios prontos e sem uso, estragando pela ação do tempo e de vândalos.

Os governantes que tomaram posse há pouco mais de um mês e foram eleitos com discurso da moralidade e a pregação do bom uso dos recursos públicos poderiam promover uma fiscalização rigorosa nesse tipo de obra, acompanhada de auditorias internas para apurar responsabilidades. O resultado, com certeza, seria surpreendente e serviria para inibir projetos semelhantes no futuro.