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Um avanço, mas falta o resto

13 de Março de 2019 às 00:01

A dois dias do atentado contra a vereadora Marielle Franco (Psol) e o motorista Anderson Gomes completar um ano, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ) e a Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro prenderam na manhã de ontem um sargento reformado da Polícia Militar daquele Estado e um ex-policial militar da mesma corporação como suspeitos de serem executores dos crimes. O sargento reformado Ronnie Lessa, de 48 anos, e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz (46) foram presos durante a madrugada, em suas casas. O primeiro mora em um condomínio da Barra da Tijuca -- por coincidência o mesmo do presidente Jair Bolsonaro -- e o segundo, em uma casa no Engenho de Dentro.

Pelo que a polícia descobriu até agora, o ex-sargento, conhecido pela sua perícia com armas de fogo e sangue frio, teria sido o autor dos 14 disparos que atingiram o carro da vereadora, enquanto que o ex-policial dirigia o Chevrolet Cobalt utilizado no atentado. Desta vez não foram denúncias anônimas, muito menos testemunhas que permitiram a localização dos ex-policiais. Os investigadores chegaram até a dupla por meio da quebra de sigilo de dados digitais de Ronnie Lessa. Ao verificar os arquivos acessados por ele via celular antes do crime, armazenados na “nuvem”, descobriu-se que ele monitorava a vida da vereadora, inclusive sua agenda de eventos, o que indica que ele rastreava seus deslocamentos. Ele usava na época do crime um celular conhecido como “bucha”, adquirido com CPF de terceiros, para não ser rastreado. No dia do crime o telefone registrado em seu nome foi usado por uma mulher em um bairro da zona sul carioca para confundir as investigações, caso fossem verificar as antenas de telefonia das estações de rádio-base para checar se o celular pessoal estava sendo usado nas imediações do local do duplo assassinato. Foi rastreando o telefone “frio” de Lessa que os policiais chegaram até ele. Observando imagens do carro que ocupavam levantaram o horário em que o telefone parecia ligado e rastrearam a ligação, chegando a uma pessoa relacionada ao ex-sargento. O investimento que a polícia fez na linha da tecnologia deu certo, uma vez que nem a arma nem o carro usado no atentado foram localizados.

Os dois presos têm atividades suspeitas. Elcio Queiroz, o motorista, foi expulso da PM anos atrás e teria experiência com escolta de cargas. O ex-sargento já sofreu dois atentados. Em 2009 uma bomba explodiu dentro de uma Hilux que ocupava e na ocasião perdeu uma perna, obrigando-o a usar a partir de então uma prótese. Em 27 de abril do ano passado, ele sofreu outro atentado. Foi baleado junto com um amigo na Barra da Tijuca por um motociclista. O agressor conseguiu fugir, mas Lessa foi atendido em um hospital da região de onde saiu sem dar declarações.

Há muita coisa ainda a ser apurada. Para não atrasar ainda mais as investigações, Gaeco e polícia do Rio decidiram desmembrar o inquérito em dois. A primeira parte é a identificação dos autores do atentado. A segunda, ainda em andamento, tem por objetivo identificar os mandantes. No ano passado, ainda durante o governo Temer, chegou a Brasília a denúncia de que as investigações não andavam por conivência da polícia carioca. O então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, decidiu pela interferência da Polícia Federal para investigar possível obstrução da Justiça e declarou na ocasião que “políticos poderosos”, agentes públicos e milicianos estavam envolvidos na morte da vereadora e seu motorista.

Ontem mesmo a polícia descobriu em uma casa no subúrbio usada pelo ex-sargento para guardar armamentos desmontados. Foram localizados componentes suficientes para montar mais de uma centena de fuzis M16, possivelmente fruto de contrabando. Seu envolvimento com milícias e contravenção não está afastado e causa estranheza o alto padrão de vida levado pelo ex-suboficial. Há várias linhas de investigação em andamento para se chegar aos mandantes. O ministro da Justiça Sérgio Moro viu como positiva a prisão dos suspeitos e pediu a elucidação completa do caso. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) falou com a imprensa ontem e declarou acreditar que é possível que os assassinatos tenham mandantes. Os investigadores deram um passo importante ao apresentar os possíveis executores do crime. Falta resolver agora a outra metade do mistério: a mando de quem mataram a parlamentar e seu motorista?