Buscar no Cruzeiro

Buscar

Tempo de renovação

12 de Abril de 2020 às 00:01

A pandemia provocada pelo novo coronavírus tinha infectado até a manhã ontem mais de 1,7 milhão de pessoas em praticamente todo o planeta. A velocidade e a maneira com que o vírus se propaga talvez seja a grande diferença dessa com as outras epidemias. Os primeiros casos foram diagnosticados em uma província chinesa no final do ano passado e apesar do isolamento imposto àquela região, se propagou para todo o mundo, atingindo de maneira diversa as populações dos diversos países. Em alguns, por motivos que ainda são alvo de estudo, a epidemia foi avassaladora, como na Itália e Espanha e agora Estados Unidos. Em outros, talvez em decorrência das políticas de controle e isolamento, como a Coreia do Sul, foi contida com êxito, atingindo um número relativamente baixo de pessoas e causando poucas mortes.

Independente da maneira como cada país se preparou e hoje enfrenta a pandemia, a Covid-19 é perigosíssima. Alcançou uma escala global em menos de quatro meses. As recomendações das autoridades da área da saúde, de isolamento e mínimo contato social, continuam válidas e importantes para superar a atual fase da epidemia. Mas há luz no fim do túnel. Muitas regiões duramente afetadas começam a zerar o número de casos novos, como e o caso da província de Hubei, na China, onde tudo começou. Os poucos novos casos anotados pelas autoridades são de pessoas que trouxeram o vírus do exterior.

Uma característica da Covid-19 é que a grande maioria das pessoas contaminadas não apresenta sintomas. Em algumas os efeitos do novo coronavírus são muito leves, praticamente imperceptíveis e podem ser tratadas em casa. Para aproximadamente 15% da população é preciso internação hospitalar e, em muitos casos, o uso de respiradores. Dados de ontem mostram que dos contaminados pela pandemia, quase 400 mil já haviam se recuperado plenamente, um número quatro vezes superior ao de mortos.

No Brasil, há muitos relatos de pessoas que se recuperaram da doença, como mostrou reportagem publicada na edição de ontem do Cruzeiro do Sul. Um dos mais conhecidos é o médico David Uip, justamente o responsável pelo Centro de Contingência contra a Covid-19 criado pelo governo paulista. Ele voltou ao trabalho recentemente depois de passar um período hospitalizado. Uip conta que foram dias de sofrimento e apreensão e lembra que é possível a cura com atendimento hospitalar adequado e equipes médicas bem estruturadas. Daí a importância do achatamento da curva da doença. Com isso um maior número de pessoas poderá ter o tratamento adequado e se recuperar.

Outro personagem importante que ficou doente e se recuperou é o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando (PSDB). Morando, que tem 45 anos e não faz parte de grupo de risco, passou uma semana na UTI. Em recuperação, disse que a doença mostrou a necessidade de valorizar a vida e ser mais humilde. E poucas pessoas passaram por tantos maus momentos nas últimas semanas que o jurista Ives Gandra Martins. Com 85 anos, no final de fevereiro ele foi submetido a uma cirurgia no esôfago. No período de recuperação teve uma isquemia seguida de uma septicemia. Ficou em coma durante vários dias em uma UTI e quando estava se recuperando pegou o novo coronavírus. Foram 38 dias de internação hospitalar, um drama pessoal nunca vivido anteriormente. Gandra, que é católico, tem certeza que o coronavírus, com todas as suas mazelas, vai levar a humanidade para um momento de reflexão. Na opinião do jurista, estamos em uma guerra mundial contra um inimigo invisível e com solidariedade será uma grande oportunidade para mudarmos a face da terra.

Mesmo sem termos chegado a uma vacina, que interromperá a disseminação da doença, o que cedo ou tarde acontecerá, já são 400 mil pessoas curadas da doença. Muitas delas passaram por experiências dolorosas, mas estão recuperadas, como o médico Uip que volta ao trabalho de combate à doença, atendendo clientes e coordenando o combate à epidemia agora na condição de imune ao vírus, mais humilde e sabendo os limites da vida, segundo suas próprias palavras.

A Páscoa, o domingo da Ressurreição, nos chama para um momento de reflexão. Todas as pessoas que passaram pela experiência de serem contaminadas e se recuperaram falam na necessidade de fortalecer a solidariedade e de reinterpretar a vida. Dom Odilo Scherer, cardeal arcebispo de São Paulo, em texto divulgado esta semana diz que seria uma pena se esta crise não nos ajudasse também a convivência social, os costumes, a arte de viver. “É tempo de esquecer as diferenças e interesses de cada parte para somar esforços na busca do que é necessário e bom para todos.”

Que assim seja.