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Confira o editorial deste domingo: 'Sobre rótulos e liberdade'

14 de Outubro de 2018 às 09:22

Uma das formas moderninhas usadas para enfraquecer o argumento do outro é a rotulação do oponente. Ao classificá-lo pretende-se, de forma pouco ética, enquadrar o argumento num terreno com cerquinhas como se o mundo de hoje tivesse que seguir as normas e os padrões de um catecismo de A a Z. O pior é que muitas vezes funciona! A ideia é acuar o interlocutor dentro desse círculo imaginário, como galinhas que se prendem num círculo no chão, e não permitir a expansão do argumento. Afinal, vai que o rotulado consegue convencer o “rotulador”. Antes que isso aconteça, impõe-se o argumento dentro de uma caixa e busca-se a anulação.

Nas disputas políticas atuais que pretendem ganhar muitos corações e, de preferência, poucas mentes -- porque estas têm o hábito desagradável de pensar -- os rótulos abundam: conservadores e reacionários, revolucionários e progressistas, liberais, fascistas, comunistas. Só faltam ressurgir os velhos integralistas que tinham lá algumas falhas e poucas qualidades.

Outra armadilha é dar conotações pejorativas aos rótulos e definições, como se fosse muito errado ser um conservador, liberal ou progressista. O que é um conservador? É aquele que quer manter algo do jeito que está ou acredita na volta de um tempo anterior onde se sentia melhor.

Hoje, em política, quem está querendo manter algo do jeito que está? Ou quem está querendo voltar a um tempo anterior quando dominava a máquina pública e “aparelhava” o Estado para manter os aliados e asseclas bem nutridos, satisfeitos e perpetuados?

Não, diria em contraponto o conservador, aquele que acredita em valores antigos, tradicionais como os de uma família indissolúvel. Não seria exatamente assim que algumas crenças propõem como forma de combater a violência que pode ser gerada pela dissolução da família? Não seria conservador quem possui valores éticos contra a corrupção e que não aceita bandidos ditando ordens de dentro dos presídios, como o crime organizado? Existiria um outro condenado dando ordens de dentro da cadeia?

Um termo usado de forma inadequada, e repetido como um papagaio que quer bolacha, é o termo reacionário. Ou seja, aquele que é contra mudanças, como que oposto ao revolucionário que revolve e muda tudo. No atual espectro, quem é reacionário, e quem está contra uma mudança depois de mais de 13 anos que desembocou no “basta” e no “chega”, como grita a sociedade nos diversos estratos sociais? Rótulos e mais rótulos! Repetidos como ladainhas de procissões, sem a reflexão tão necessária.

Quem são os pseudoliberais, estes sim verdadeiros luminares do conservadorismo de relações abusivas, que se opõem contra as liberdades individuais e políticas? São contra os velhos regimes ditatoriais? Quem não se lembra daquele vergonhoso caso do esportista cubano, lutador de boxe, que procurou asilo político no Brasil e foi devolvido à Cuba à sua própria sorte? Quem se esquece do terrorista italiano condenado na Itália, Cesare Battisti, acolhido aqui pelo regime do qual o brasileiro se mostra explicitamente contra? Quem são esse senhores e senhoras que não levantam a voz contra os 265 mortos que protestavam contra Daniel Ortega na Nicarágua?

Quem são esses verdadeiros conservadores? Quem são os retrógrados que não admitem mudanças porque querem um continuísmo nefasto e que aplaudem o regime político da Coreia do Norte?

Será que a elite que se alimentou -- e muitos ainda se alimentam -- dos privilégios e benesses do governo também não apoiaram a manutenção de calabouços e chibatas na África, como a de Teodorin Obiang Nguema ,“presidente” da Guiné Equatorial, há 39 anos, cujo filho foi recentemente detido no Brasil com pequenas fortunas em dólares e relógios? O que dizer do regime imposto por José Eduardo dos Santos, ditador de Angola até 2017 ou de Robert Mugabe, no Zimbábue; Denis Nguesso, no Congo, e Ali Bongo no Gabão?

Isso sem falar do regime da Venezuela, assunto de nosso editorial de ontem.

O que esses países têm em comum, além do totalitarismo, repressão e desrespeito aos direitos humanos? Todos são regimes políticos apoiados pelos que se dizem revolucionários, avançados, moderninhos. Revolucionários de plantão que querem impor, a qualquer custo, as mazelas do poder. Os mesmos que mascaram seu domínio travestindo o vermelho de verde-amarelo e amenizando o discurso da separação e do ódio sub-reptício. Na realidade, é um grupo de ideias muito antigas, muito velhas, um povo reacionário, verdadeiros mausoléus de doutrinas, obcecados por regimes totalitários. E o pior, um agrupamento de partidos sem qualquer autocrítica: a URSS foi extinta, a China tornou-se um capitalismo de estado forte, a Coreia do Norte, já se percebe, não pode continuar mais tempo fechada e ditatorial.

“Não podemos ter preconceito com países não democráticos.” A frase dita pelo ex-presidente Lula em 2009 na cúpula das nações africanas esclarece muito. Revela o núcleo duro da alma de seu partido, mantenedor de ideologias de múmias.