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Sistema vulnerável

26 de Abril de 2020 às 00:01

Os sorocabanos que se acotovelam inutilmente na frente dos terminais de transporte à espera de ônibus e aqueles que trabalham em serviços essenciais e não estão tendo transporte até seus locais de trabalho certamente gostariam de saber quando a Prefeitura de Sorocaba e a Urbes --Trânsito e Transportes retomarão o comando do sistema de transporte público da cidade.

O poder público municipal abriu mão do gerenciamento do sistema no mês passado após o sindicato ter paralisado sem qualquer aviso o transporte de passageiros usando o argumento da necessidade de isolamento social, como se tivesse procuração do Ministério da Saúde ou do governo estadual para implantar medidas sanitárias restritivas à circulação de pessoas.

A Prefeitura/Urbes recorreu naquela ocasião ao Tribunal Regional do Trabalho contra a paralisação, mas quando a Justiça concedeu liminar determinando a circulação de pelo menos 60% nos horários de pico, principalmente para atender trabalhadores dos serviços considerados essenciais, o poder público municipal rejeitou esse acordo e assinou um paralelo com o sindicato que, sabe-se lá com que critérios, “autorizou” a circulação de 40% da frota nos horários mais concorridos.

O sindicato ainda se achou no direito de escolher que tipo de profissional poderia usar um transporte que é público. Foram inúmeros casos de passageiros impedidos de usar os ônibus, sem qualquer interferência da empresa pública que teria o dever de zelar pelo transporte da população.

Em época de pandemia, com praticamente todo o comércio, indústrias e serviços fechados, os mais prejudicados foram aqueles que trabalham em setores essenciais. Mesmo assim, essa precariedade no transporte continuou.

A queda natural do volume de passageiros por conta da política de isolamento social e a redução drástica da frota circulante por determinação dos novos gerenciadores do transporte coletivo não poderiam levar para outro caminho.

As empresas concessionárias tiveram problemas gravíssimos de caixa, situação semelhante ao que aconteceu com a empresa que opera em Votorantim e municípios vizinhos que simplesmente comunicou que paralisaria suas atividades por estar à beira de um colapso financeiro.

Só voltou a operar, ainda que precariamente, com o auxílio da Prefeitura de Votorantim e à adesão no plano de redução de salários criado pelo governo. Em Sorocaba, o debacle financeiro chegou um pouco depois, mas as empresas já demostraram que não têm caixa para pagar todos os funcionários.

Começaram suprimindo alguns itens da folha de pagamentos para em seguida iniciar um processo de demissão, uma vez que também encontraram resistência nos representantes da categoria para a adesão à redução de jornada de trabalho.

Há que se observar que as empresas continuam recebendo subsídios do sistema de transporte coletivo, mesmo com menos carros nas ruas. Segundo a Prefeitura, esse pagamento ocorre para que as empresas consigam ter algum fôlego financeiro e possam honrar suas obrigações trabalhistas, o que não justificaria as demissões.

Como represália, o transporte coletivo foi paralisado na última quinta-feira, para a realização de uma assembleia, novamente sem que a população fosse avisada e parou novamente na última sexta-feira, sem data para retorno.

Neste domingo (26), a Prefeitura e a Urbes comunicaram que recorrerão novamente à Justiça do Trabalho para que os ônibus voltem às ruas. Essa seria a única maneira de obrigar os motoristas a retornarem ao trabalho. Resta saber se o TRT acolherá o pedido da Prefeitura uma vez que na última oportunidade, no início do mês, a Prefeitura desistiu do processo que movia contra o sindicato por motivo semelhante e assinou um acordo em paralelo.

O transporte público é um direito do cidadão e privá-lo desse direito justamente no momento em que enfrentamos inúmeros problemas por conta da pandemia do novo coronavírus chega a ser uma crueldade. Ontem, os ônibus continuavam parados e como qualquer decisão do TRT só deverá ocorrer na segunda-feira, poderão permanecer parados mais alguns dias.

Curioso é que o maior investimento da Prefeitura na atual gestão -- certamente a mais conturbada da história do município -- é uma obra de transporte coletivo, o BRT. Sem condições de concluir todo o projeto até o final do ano, ou até as eleições, o que seria ideal para quem ocupa hoje o Palácio dos Tropeiros, a empresa responsável realiza obras a toque de caixa para entregá-la ao menos parcialmente.

É decepcionante pensar que esse investimento gigantesco, planejado para dar maior conforto aos usuários do transporte público, assim que entrar em funcionamento ficará vulnerável, sujeito a paralisações sem aviso e suscetível a medidas arbitrárias, uma vez que a Urbes praticamente abriu mão de gerenciar o sistema com autoridade.