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Saidinha para o crime

01 de Junho de 2019 às 00:01

A morte da jovem estudante votorantinense Rafaela de Campos na noite do último domingo, após prestar vestibular em uma faculdade de Sorocaba, além da tristeza que cobriu sua família, a comunidade a que pertencia e as pessoas que tomaram conhecimento pelos meios de comunicação da morte trágica, também trouxe um travo de indignação e revolta para todos os que souberam do crime. Indignado, o cidadão comum pergunta: como pode um homem condenado por roubo, furto e estupro ser beneficiado com a saída temporária do Dia das Mães? Como pode um presidiário que usava uma tornozeleira não ser localizado e preso depois que deixou de se apresentar após o feriado em que supostamente teria direito a visitar sua mãe? É correto presos considerados foragidos e com tornozeleiras que indicam sua localização poderem circular livremente pelas ruas e inclusive praticar crimes com esse objeto preso a sua perna?

A indignação que a permissão de saída em datas especiais de presos perigosos causa é absolutamente compreensível e intolerável para muitos cidadãos que são obedientes às leis e pagam seus impostos. É semelhante ao que muita gente sente quando lê -- e isso tem se repetido praticamente todos os anos -- que Suzane von Richthofen, condenada a 39 anos de prisão justamente por ter ajudado a matar os pais, é beneficiada com essa benesse de nossa Justiça. Cabe a pergunta: visitar e homenagear quem, já que ela ajudou a matá-los?

O Brasil vive hoje uma crise sem precedentes no sistema carcerário. Ultrapassamos há pouco a marca dos 700 mil presos -- entre condenados e presos provisórios -- o que nos coloca entre os três países com maior população carcerária do planeta. São quase 300 mil presos acima da capacidade instalada de nossos presídios. Esse contingente gigantesco de pessoas privadas da liberdade cumprindo pena ou aguardando sua sentença em locais absolutamente impróprios só aumenta o poder das facções criminosas. Jovens levados à prisão cada vez mais cedo porque ingressaram no mundo do crime, especialmente por tráfico de drogas, dentro de pouco tempo se transformam -- até para sua segurança dentro do sistema prisional -- em soldados de gangues de alcance nacional. Vez ou outra um presídio amanhece banhado de sangue e coberto de cadáveres, como aconteceu dias atrás naquele de Manaus. A superlotação aliada à briga de facções criminosas pelo controle do tráfico de drogas resultou em 55 presos mortos em uma ação orquestrada envolvendo quatro presídios do município. O setor de inteligência do governo do Amazonas havia comunicado a Secretaria de Administração Penitenciária que algo muito violento estava para acontecer por conta da disputa interna nos presídios entre duas facções criminosas. Alguns detentos foram transferidos, mas nada impediu que a matança acontecesse. A chacina praticamente repetiu a tragédia de janeiro de 2017 quando 56 presos foram mortos em um único presídio daquela cidade.

No caso do crime ocorrido em Sorocaba, graças às imagens fornecidas pelas câmeras de segurança de estabelecimentos comerciais e da Urbes, instaladas na região central, cruzadas com informações emitidas pela tornozeleira eletrônica do presidiário, houve o esclarecimento do crime. O criminoso, de 40 anos, cumpria pena na Penitenciária Antônio de Souza Neto, no bairro de Aparecidinha. Foi liberado para passar o Das Mães em casa e retornar no dia 27. Não retornou e ficou perambulando pelas ruas da cidade até praticar o homicídio. Só se livrou do aparelho preso a seu tornozelo na manhã do dia seguinte. Foi preso em São Paulo por uma blitz de rotina da Polícia Militar. O acusado está condenado a 25 anos de prisão por roubos, furtos e estupro. Passou por várias penitenciárias do Estado e ainda responde a outros processos. Mesmo assim teve direito de sair para visitar sua mãe, o que não fez, pois ela mora em São Paulo e ele permaneceu em Sorocaba. Relacionar crimes cometidos por presidiários durante saídas temporárias de Natal e Ano Novo, Dia das Mães, Dia dos Pais, Finados e Páscoa encheriam várias páginas de jornal. Essa situação é que leva muitos juristas e policiais a reivindicarem mudanças na Lei de Execução Penal brasileira que permite esse tipo de benefício. Os critérios precisam ser mais rigorosos. Neste caso, até um pouco de bom senso seria suficiente para evitar a morte da estudante.