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Repetição de erros

18 de Julho de 2020 às 00:01

Nesta semana, pacotes estranhos que passavam pelo Centro de Triagem dos Correios de Sorocaba levaram à descoberta de um homem que mantinha em sua casa uma grande quantidade de animais da fauna brasileira e exóticos para fins comerciais. Os pacotes que chamaram a atenção dos funcionários dos Correios faziam movimentos, o que o levou a acionar a Polícia Militar Ambiental, pois suspeitava-se da existência de animais nos embrulhos. Abertos na presença de um veterinário do Parque Zoológico Municipal Quinzinho de Barros, constatou-se que continham filhotes de iguana e de jabuti. O endereço para entrega era uma casa na Vila Angélica, onde a polícia localizou um cidadão que mantinha em cativeiro várias espécies de animais da fauna brasileira e alguns exóticos com evidentes fins comerciais. Certamente o remetente, se identificado, também será investigado.

Ao todo, a Polícia Ambiental apreendeu 23 aves de diversos tipos, um aquário com uma cobra exótica, cinco saguis, um iguana e um ouriço. Os pássaros localizados não tinham anilhas que identificam aves com licença do Sistema de Controle de Monitoramento da Atividade de Criação Amadora de Pássaros (SisPass). O destinatário dos animais apreendidos no Correio vai responder por maus-tratos por conta dos animais da encomenda e foi elaborado outro boletim de ocorrência por conta da ausência de licença ambiental das espécies localizadas na casa, bem como da possível compra ilegal de animais silvestres.

A apreensão, pela maneira curiosa como foi feita, chamou bastante a atenção e levou a polícia a localizar algumas dezenas de animais em cativeiro para possíveis fins comerciais. Mas em termos de tráfico de animais, uma atividade pouco conhecida, mas altamente lucrativa, é como uma gota d’água no oceano. O Brasil é um dos países com maior diversidade de fauna. Acredita-se que estão em território nacional cerca de 20% de toda a biodiversidade do mundo. Mas é talvez o país que mais desrespeita esse patrimônio. Um estudo da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres mostra que anualmente 38 milhões de espécimes sejam retiradas da natureza brasileira para diversos fins. Muitos animais são vendidos para o exterior, onde vão enriquecer coleções de criadores exóticos, ou apenas para atender o capricho humano, sem levar em conta o bem-estar do animal que foi retirado de seu habitat e não tem a menor aptidão para viver em um apartamento, por exemplo.

Analisando dados divulgados pelo Ibama, percebe-se que o número de apreensões de animais silvestres sofreu uma queda em 2019 em comparação a períodos anteriores. De acordo com a entidade, foram 1.224 apreensões em 2017, 1.402 em 2018 e 1.121 em 2019. Estão incluídos nessas estatísticas capturas de animais em cativeiro, venda ilegal ou caça. Mas esses números oficiais não refletem o que acontece em um país de dimensões continentais onde o tráfico de animais atua há muito tempo e é extremamente organizado. Os números só refletem o que foi apreendido e sabe-se que milhares de animais deixam suas regiões de origem e vão para outros países ou mesmo para grandes centros urbanos sem que as autoridades percebam.

O problema, neste momento em que o mundo vive uma pandemia, é que esse tipo de tráfico, em que animais silvestres são retirados se seu habitat e colocados em contato com seres humanos, se torna uma bomba-relógio ecológica que pode trazer sérias consequências. O novo coronavírus, como afirmam muitos pesquisadores, começou a se espalhar e afetar seres humanos possivelmente a partir do comércio de animais silvestres na China. A pandemia que afeta todo o mundo hoje pode muito bem ter começado no contato entre animais retirados de seus habitats e seres humanos. A hipótese que muitos pesquisadores defendem é que o novo coronavírus tenha surgido em um mercado de animais em Wuhan, na China. Esses mercados são verdadeiros reservatórios de doenças, muitas delas desconhecidas. Ocorre que a venda de animais da fauna nativa não é uma exclusividade de países do Oriente, como mostrou a apreensão de animais na Vila Angélica, em Sorocaba. O Brasil exporta ilegalmente milhares de animais para outros países ou outros Estados sem qualquer controle sanitário. Se aconteceu na China, pode muito bem acontecer em qualquer Estado brasileiro onde animais são capturados ilegalmente na floresta e colocados à venda.

Além de acarretar possíveis problemas sanitários, o tráfico de animais causa a redução do número de espécies, o que causa efeitos em cadeia em todo o ecossistema, como a polinização e dispersão de sementes, entre outros benefícios. E animais são retirados da floresta e comercializados, pois há quem se interesse em comprá-los.