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Recado para o presidente

28 de Março de 2019 às 00:32

Em menos de uma hora, a Câmara dos Deputados aprovou na última terça-feira uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que além de engessar a maior parte do Orçamento da União, é um recado dos parlamentares ao presidente Jair Bolsonaro. Eles estão insatisfeitos com a decisão do governo de não negociar com os partidos. Se a PEC passar pelo Senado -- e o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) já se manifestou favorável -- o governo terá que pagar despesas que hoje podem ser adiadas, como emendas de bancadas estaduais e investimentos em obras. Resumindo: o governo terá autonomia sobre apenas R$ 45 bilhões, num Orçamento de R$ 1,4 trilhão.

A votação relâmpago na Câmara começou logo depois que o ministro da Economia, Paulo Guedes, informou que não compareceria a um debate sobre a reforma da Previdência na Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ). A tentativa de emparedar o governo foi rápida. Para conseguir aprovar a PEC em dois turnos, os deputados aprovaram um requerimento de quebra de interstício, permitindo que o Legislativo pulasse o intervalo regimental de cinco sessões, necessários para a PEC passar na Casa. A demonstração de força dos parlamentares foi consistente. Foram 448 votos em primeiro turno e 453 no segundo. Até parlamentares do PSL, partido do presidente, votaram pela PEC. Somente seis deputados, entre eles a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), se posicionaram contra a proposta que é de 2015 e foi colocada em votação no afogadilho.

Na opinião de especialistas no assunto, a aprovação da medida é um claro retrocesso. Hoje, o Orçamento é autorizativo, ou seja, a equipe econômica pode redefinir alguns gastos. A PEC aprovada na Câmara dá maior controle de gastos federais aos parlamentares, obrigando o pagamento de despesas para políticas públicas estratégicas e prioritárias no Plano Plurianual e obriga ainda o governo a executar emendas das bancadas estaduais.

Há uma situação bastante grave no Congresso. Existe uma frente com 291 deputados que se prepara para desidratar a reforma da Previdência, eliminando trechos que alteram as regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e aposentadoria rural, entre outros itens. Em caso de a PEC ser aprovada no Senado, o engessamento do Orçamento federal subirá para 97%.

Segundo análise do professor Márcio Holland, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor da Fundação Getúlio Vargas, será preciso uma reforma previdenciária ainda mais dura do que a apresentada pelo governo. Para enfrentar a nova situação, não bastará a reforma da Previdência, o maior gasto orçamentário, mas todos os outros gastos precisarão ser reduzidos. A proposta também vai contra a intenção do ministro da Economia que quer desvincular e desamarrar as despesas do Orçamento.

A decisão dos parlamentares mostra que o governo precisa reagrupar suas forças e articular-se melhor no Legislativo. O presidente Bolsonaro tem que assumir as negociações com o Congresso. Na noite de terça-feira, muitos deputados do PSL não sabiam que a proposta em votação era prejudicial ao governo. O líder do governo no Senado, Major Olímpio (SP), admitiu que muitas vezes não sabe quem é situação e quem é oposição, muito menos qual a estratégia que está por trás de ter um Orçamento engessado.

Há um movimento forte entre os parlamentares de desengavetar projetos adormecidos como esse da PEC para criar dificuldades para o governo. A intenção de alguns setores é lançar um “pacote de maldades” para colocar o Executivo refém do Congresso. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) minimizou o caso e lembrou que ele e o pai foram favoráveis ao projeto aprovado ontem em 2015, no governo Dilma.

De toda maneira, o recado do Legislativo foi dado. O governo precisa rever seu relacionamento com o Congresso, sem evidentemente cair na velha política do “toma lá, dá cá”, prática execrada pela opinião pública e que provocou a renovação de boa parte dos parlamentares. É preciso que o governo consiga uma trégua na base do diálogo e do debate de ideias, pois o Congresso já mostrou que, quando desafiado, sabe agir unido.