Reafirmação de soberania
O Brasil tem uma posição privilegiada na Organização das Nações Unidas. Todos os anos tem a responsabilidade de ser o primeiro País a discursar na abertura da Assembleia-Geral do chamado parlamento mundial na sede da entidade, em Nova York.
Não se sabe ao certo a origem dessa tradição informal. Há duas teorias. A primeira diz que pode ser uma espécie de prêmio de consolação pelo fato do Brasil ter ficado de fora do Conselho de Segurança da entidade composto por Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido e China desde sua fundação, em 1945.
Outra teoria diz que o Brasil obteve esse privilégio, que não está escrito em nenhum documento, por integrar o grupo de 51 países que fundaram a instituição e por sua participação na solução pacífica da criação do Estado de Israel, com o trabalho do chanceler Oswaldo Aranha, que presidiu a Assembleia-Geral da ONU em 1947.
Na última terça-feira o presidente Jair Bolsonaro, cumprindo a tradição, fez o discurso de abertura da Assembleia-Geral diante de quase 200 líderes internacionais. E ele fez um discurso contundente, diferente daqueles realizados pelos presidentes brasileiros que o antecederam.
Foi uma manifestação abrangente e firme em que defendeu os princípios de seu governo, uma espécie de apresentação ao mundo da situação atual do Brasil. Bolsonaro iniciou seu discurso, que durou cerca de 30 minutos, atacando o socialismo.
Ele disse que o País “ressurge depois de estar à beira do socialismo”. Fez críticas contundentes a Cuba, citando especificamente o programa Mais Médicos, contratado pela presidente Dilma Rousseff (PT) e também à Venezuela.
Citou que nos anos 1960 os cubanos foram enviados a diversos países para tentar implantar ditaduras. O presidente lembrou que o Brasil esteve muito próximo do socialismo, o que o colocou em situação de corrupção generalizada, recessão econômica nunca vista, com altas taxas de criminalidade e com ataques ininterruptos aos valores familiares e às tradições religiosas dos brasileiros.
Elogiou nominalmente o ministro da Justiça Sergio Moro pelo seu trabalho na Operação Lava Jato que revelou os bilhões de reais desviados de empresas estatais brasileiras, colocando muitos dos envolvidos na cadeia.
Na sequência, Bolsonaro defendeu a abertura econômica e o livre mercado. Lembrou que o Brasil sai aos poucos da crise econômica a que foi levado e destacou o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, prometendo novos acordos nos próximos meses. Fez questão de citar os projetos de concessões e privatizações em andamento no País.
Mas certamente a parte de seu discurso que mais chamou a atenção dos demais chefes de governo presentes na Assembleia-Geral foi com relação à Amazônia. O Brasil vem ocupando parte considerável do noticiário internacional por conta das queimadas e a questão das terras indígenas.
Bolsonaro, que levou em sua comitiva o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e a líder indígena Ysany Kalapalo, defendeu a soberania do Brasil sobre a Amazônia e reforçou que aquela região não é um patrimônio da humanidade, muito menos o pulmão do mundo, como erroneamente vem sendo difundido.
O presidente brasileiro foi contundente ao criticar o que chamou de “ataques sensacionalistas” de boa parte da mídia internacional por conta dos focos de incêndio detectados naquela parte do território nacional.
Não poupou críticas a alguns governos e fez uma crítica indireta ao presidente da França, Emmanuel Macron, que chegou a sugerir sanções ao Brasil durante o encontro do G7 sem ouvir o governo brasileiro.
Atacou ainda a ideologia que teria se instalado no Brasil principalmente nas áreas da cultura, educação, nos meios de comunicação, nas universidades e escolas.
O discurso, com seu conteúdo forte, não agradou a todos, evidentemente. Muitos criticaram o fato de o presidente não ter aproveitado a oportunidade para vender uma imagem mais palatável do País.
Um dos críticos mais agressivos foi o governador de São Paulo, João Doria, que classificou o discurso como inoportuno e inadequado. Não houve, entretanto, grande aceitação da fala, reproduzida em sua conta no canal do YouTube.
Foi vista por quase 80 mil pessoas e, dessas, apenas 815 aprovaram a posição de Doria, que foi rejeitada até a noite por 23 mil pessoas.
Discursos contundentes sempre geram reações, ainda mais tendo como palco a Assembleia-Geral da ONU. Mas ficou registrado que o presidente brasileiro fez questão de apresentar ao mundo um País que se recupera do caos e de um processo de deterioração moral e econômica.
Com clareza e simplicidade, o presidente não teve medo de desagradar a este ou àquele, um discurso de estadista.