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Protestos de ontem e de hoje

11 de Dezembro de 2018 às 09:31

Como já era esperado, as manifestações realizadas no último sábado na França -- no quarto final de semana seguido -- resultaram em um grande número de feridos, 135 em todo o país, e muitos presos, 1.220, segundo informações oficiais. No domingo, o governo francês, cada vez mais pressionado pelos manifestantes chamados de “coletes amarelos”, autorizou a reabertura de monumentos e pontos turísticos de Paris, fechados para evitar danos durante os protestos, como já havia ocorrido anteriormente.

O que esses manifestantes representam ou reivindicam desafia os analistas da política e economia francesas. Eles são cada vez mais numerosos, estão sempre identificados pelos coletes amarelos, um equipamento obrigatório de segurança dos veículos e, aparentemente, não têm ideologia. O movimento surgiu no início do mês de novembro para protestar contra o aumento dos impostos sobre combustíveis, mas o movimento foi rapidamente ampliado com outras reivindicações que vão do aumento do salário mínimo, melhora do poder aquisitivo até a renúncia do presidente Emmanuel Macron, como querem alguns.

O movimento francês, embora tenha se demonstrado extremamente violento, guarda alguma semelhanças com as manifestações registradas no Brasil em 2013. Elas começaram como protesto pelo aumento de tarifa de ônibus e foram crescendo englobar outros temas como o combate à corrupção, melhor atendimento da saúde, e ética na política, entre outros.

Os coletes amarelos não têm liderança e muitos contestam a representatividade daqueles que se consideram porta-vozes do movimento. Os manifestantes se dizem apartidários e não querem ter ligações com sindicatos ou políticos. Sabe-se que os protestos têm reunido pessoas que têm posições opostas, como militantes de extrema-esquerda, de extrema-direita e cidadãos que não se consideram politizados. Muitas dizem que participam de manifestações pela primeira vez. Mas todas mostram que estão fartas com a situação atual da França, com suas dificuldades econômicas decorrentes do baixo poder de compra e alta carga de impostos.

Sinal dos tempos, as manifestações atuais são completamente diferentes daquelas realizadas há 50 anos e que ficaram famosas como as passeadas de maio de 1968. Elas começaram como manifestações estudantis pedindo reformar no setor educacional, mas evoluiu para grandes confrontos e uma greve geral de trabalhadores que abalou o governo de Charles De Gaulle. Ao contrário do que acontece hoje, há 50 anos vivia-se no auge da Guerra Fria, os participantes eram de várias correntes da esquerda, protestavam contra a Guerra do Vietnã e defendiam também mudanças comportamentais. Palavras de ordem como “Sejam realistas, exijam o impossível” e “É proibido proibir” ganharam o mundo e influenciaram gerações. Fora a mudança de comportamento pregada pelos manifestantes 50 anos atrás, não houve uma conquista objetiva. O movimento foi esvaziado por um aumento do salário mínimo concedido por De Gaulle e pela convocação de eleições legislativas, vencidas pelos governistas, diga-se de passagem.

Na Rússia, governada por mãos de ferro de Putin, as primeiras manifestações de protesto ocorreram recentemente por conta na mudança nas regras da aposentadoria. Putin precisou recuar e tornou a legislação mais amena em alguns pontos, para evitar maiores desgastes. Na Nicarágua, a questão das aposentadorias também provocou manifestações, que acabaram descambando para ações de extrema violência, quase uma guerra civil, com dezenas de mortes.

Hoje, as manifestações de grande porte que se observam ao redor do mundo, que mobilizam milhares de pessoas, perderam o viés político, muitas vezes revolucionário. Hoje elas têm objetivos definidos, mais prosaicos, mais pé no chão. Reivindica-se melhores condições de vida, queda no preço dos combustíveis, menos impostos, melhores salários e aposentadorias mais justas. As batalhas de rua com forte conotação política deram lugar a questões do dia a dia, problemas do cotidiano. As posições ideológicas extremas e as reivindicações que queriam mudar o mundo, ao que parece, ficaram para trás. Hoje os manifestantes estão mais preocupados com as contas do final do mês.