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Os abusos dos consignados

18 de Março de 2021 às 00:01

Na semana passada, o Senado aprovou medida provisória (MP) que aumenta, de 35% para 40%, a margem para o crédito consignado de servidores públicos ativos e inativos, militares e aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A medida vale até o fim de 2021 e, como já passou pela Câmara dos Deputados, segue agora para a sanção do presidente Jair Bolsonaro.

Desses 40%, 5% do valor das aposentadorias podem ser usados em operações com cartão de crédito. Os demais 35% podem ser utilizados em empréstimos e financiamentos. No caso dos servidores estaduais e municipais, a extensão vale se não houver leis locais que já definam porcentuais maiores.

Por se tratar de uma MP, a nova margem entrou em vigor assim que editada pelo Executivo, em outubro. No entanto, para virar lei em definitivo, com as alterações feitas pelo Legislativo, a MP precisava ser aprovada pelo Congresso Nacional.

Para quem ainda não sabe, o crédito consignado é descontado diretamente do contracheque da pessoa que tomar o empréstimo. A modalidade geralmente apresenta algumas das menores taxas de juros do mercado por conta do baixo risco de inadimplência. Mas pode trazer fortes dores de cabeça para quem faz o empréstimo. E até mesmo para quem não faz.

Se você é uma das milhares de pessoas que já foram atormentados por infinitas ligações telefônicas oferecendo empréstimo consignado, então você sabe bem do que estamos falando. A insistência, a falta de educação e a inadequação das empresas na busca por novos clientes transformaram o empréstimo consignado em um inferno.

Mostrando que o nível da maracutaia está em patamares inimagináveis no País, os recém aposentados ficam sabendo que a sua aposentadoria saiu não pelo órgão responsável por isso, o INSS, e sim pelas empresas que ofertam o consignado.

Ou seja, antes mesmo de um cidadão ou cidadã ser oficialmente comunicado da aprovação de sua aposentadoria, as empresas e instituições financeiras que trabalham com consignado já sabem.

Elas não permitem nem que você comemore a tão sonhada aposentadoria pois passam a ligar insistentemente para oferecer empréstimo. Parecem abutres. A pessoa é assediada de todas as formas para aceitar um empréstimo.

E se a insistência no oferecimento do empréstimo é absurdamente irritante, muitas pessoas que aceitam fazê-lo acabam se sentindo insatisfeitas ou até mesmo lesadas.

Para se ter uma ideia, as reclamações sobre a modalidade de crédito consignado atingiram em 2020 o maior patamar já registrado. Na plataforma digital consumidor.gov.br, administrada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, foi registrado um aumento de 683% nas queixas. Trata-se do maior salto, muito além dos 427% verificados no setor de viagens, turismo e hospedagem, bastante afetado pela pandemia da Covid no ano passado.

No caso do consignado, somente nessa plataforma, ao longo do ano passado foram registradas cerca de 71 mil reclamações de assalariados, aposentados e pensionistas, além de outras 17 mil específicas de servidores públicos.

Somadas as duas modalidades, o total de reclamações, de aproximadamente 88 mil, faz com que o consignado seja o segundo tema mais reclamado, perdendo apenas para assuntos envolvendo cartão de crédito e débito. Já no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), os serviços de telefonia celular continuam liderando as reclamações de consumidores insatisfeitos.

Segundo a secretária Nacional do Consumidor, Juliana Domingues, as reclamações envolvendo o empréstimo consignado preocupam a pasta.

Além de monitorar as empresas que oferecem esta modalidade de crédito, os órgão de defesa do consumidor passaram a oferecer, por meio da Escola Nacional de Defesa do Consumidor, cursos gratuitos sobre educação financeira como forma de instruir as pessoas a evitarem o superendividamento.

Isso tudo é positivo, claro, mas a população segue esperando uma solução para o fim do abuso na oferta dos consignados -- com centenas de ligações -- e também o fim de práticas financeiras que muitas vezes tornam os clientes reféns dessas empresas.