O vai e vem do transporte público
A boa notícia é que, pelo menos até o final de 2020, os sorocabanos não correm o risco de ficar sem as 60 linhas de ônibus -- aproximadamente a metade das que interligam as regiões Leste, Oeste, Sul e Central da cidade -- operadas pela empresa Sorocaba Transportes Urbanos (STU). Os senões corriqueiros do transporte coletivo municipal, no entanto, persistem -- incluindo, por exemplo, a falta de transparência, as incertezas em médio e longo prazos e as deliberações arbitrárias.
Não há dúvidas de que o transporte público, por todas as implicações de sua natureza inerente, interfere diretamente na qualidade de vida da população. Embora sua operacionalização seja entregue à iniciativa privada -- por meio de licitações que geram contratos com prazos de validade pré-estabelecidos --, como a própria denominação do sistema sugere, ele é propriedade de toda a cidade. Nunca é demais lembrar que são os cidadãos que custeiam a estrutura e os serviços prestados, seja por meio do pagamento das tarifas cobradas no embarque, seja pela transformação de parte dos impostos em taxas e subsídios.
Como gestora dos recursos gerados pelos contribuintes, cabe à administração municipal prestar contas de cada centavo arrecadado, além de garantir que o transporte público seja compatível com as necessidades dos sorocabanos. Na linha de frente desse controle estão a empresa pública Urbes -- Trânsito e Transportes, e a Secretaria de Mobilidade e Desenvolvimento Estratégico (Semob), que, aliás, são, igualmente, mantidas pela população. Portanto, o mínimo que a sociedade exige, com todo o direito, é o máximo de clareza nas decisões.
Um exemplo de dúvida que não pode ficar sem esclarecimento é o capítulo mais recente da interminável novela em que se transformou a licitação do chamado lote 2 do transporte coletivo. Em menos de uma semana, a alternativa -- na verdade, a continuidade de um paliativo -- considerada ilegal acabou sendo adotada como solução. Na segunda-feira (20), em resposta a questionamento do Cruzeiro do Sul, a Urbes informou que a STU deixaria de operar na cidade a partir do dia 3 de agosto, já que o contrato emergencial iniciado em janeiro de 2019 não poderia ser renovado mais uma vez. Surpreendentemente, no entanto, apenas três dias depois -- na quinta-feira (23) --, novamente instada pelo jornal, a Prefeitura anunciou a dilação do acordo com a mesma empresa até o final do ano, pelo valor estimado de R$ 46 milhões. Porém, a íntegra do contrato emergencial não está disponível na página da empresa pública na internet, nem mesmo na aba “Transparência”.
A dificuldade da Urbes em licitar o lote 2 do transporte coletivo de Sorocaba se arrasta desde janeiro de 2019, quando terminou o contrato de oito anos com a STU. A partir dessa data, a empresa opera por intermédio de instrumentos de prorrogação contratual. O primeiro edital foi suspenso em 21 de março de 2019 pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP). A licitação foi reaberta em 28 de junho, com nova suspensão em 30 de julho. Em 21 de agosto foi publicada uma retificação do processo, com abertura para 24 de setembro, o que não aconteceu. Em 30 de outubro foi lançada nova tentativa, com a terceira suspensão decretada em 2 de dezembro. O certame foi reaberto pela quarta vez, em 6 de fevereiro deste ano, mas terminou deserto, isto é, sem interessados.
Neste caso, a questão a ser elucidada é o motivo do suposto e repentino desinteresse das empresas de transporte coletivo no lote 2 de Sorocaba. De acordo com o site especializado empresascnpj.com, o setor possui pouco mais de 5 mil empreendimentos no País. Além disso, 24 anos atrás, o processo licitatório aberto pela Urbes mostrou-se suficientemente atraente para levar um grupo da cidade de Araçatuba -- localizada a 450 quilômetros de Sorocaba --, então já detentor de dezenas de companhias nos mais diversos ramos de atividade, a criar a STU e montar uma estrutura com quase 200 ônibus e mais de 800 colaboradores. O que teria mudado tão profundamente para justificar o desprezo pela operação das linhas?
Conforme o site da Urbes, as 58 linhas do lote 2 transportavam, em média, 2 milhões de passageiros/mês antes do período de isolamento social provocado pela pandemia do novo coronavírus. A alegação é que desde o início da quarentena -- portanto, em março de 2020 -- o número de usuários caiu significativamente. Neste ponto, cabem duas ressalvas: o desinteresse é anterior à Covid-19 e, possivelmente, o movimento retornará aos números anteriores quando as atividades econômicas forem plenamente retomadas.
Outra decisão que carece ser repensada pelos gestores do transporte público em Sorocaba é o prolongamento da redução da frota em circulação nas ruas. Segundo o que foi divulgado pela Urbes juntamente com o anúncio da prorrogação do contrato emergencial com a STU, durante todo o mês de agosto, a população terá que se contentar com apenas 50% dos ônibus. Ou seja, metade da frota não sairá das garagens por mais 30 dias. Não estaria essa escolha caminhando na contramão da retomada da economia prevista pelo governo estadual no Plano São Paulo e endossada pela Prefeitura de Sorocaba?