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O projeto Aramar

23 de Outubro de 2020 às 00:01

Pouca gente sabe, mas o Centro Experimental de Aramar -- as instalações da Marinha em Iperó que detém altíssima tecnologia nuclear e foram visitadas pelo presidente Jair Bolsonaro na última quarta-feira -- está na região por algumas coincidências. Desde o final dos anos 1970 a Marinha trabalhava no seu projeto para desenvolver propulsores nucleares com tecnologia própria. E para criar toda a infraestrutura técnica, inclusive para enriquecimento de urânio, precisava de uma área apropriada com algumas características específicas. A área precisava ser absolutamente estável, ou seja, que não fosse suscetível a abalos sísmicos; precisava estar perto de boas rodovias e com fácil acesso ao fornecimento de energia elétrica. Com esses dados nas mãos, grupos de militares da Marinha iniciaram uma pesquisa de campo para escolher uma área. Chegaram a uma propriedade próxima a Iperó que reunia essas condições e perguntaram ao proprietário rural sobre o terreno, valor da terra, entre outras informações básicas. Ficaram curiosos também com uma grande propriedade, aparentemente sem uso, localizada ao lado e perguntaram a quem pertencia. A resposta selou o destino da região. A área já pertencia ao governo federal e era propriedade do Ministério da Agricultura. Tratava-se de uma parte da Fazenda Ipanema, sítio histórico da metalurgia nas Américas, mas também um centro de experimentos na área da agricultura. Não foi mais preciso pesquisar uma área para comprar. Ela estava ali e já pertencia à União.

Nascia ali a história do Centro Experimental de Aramar, um arrojado projeto científico-militar que foi mantido em sigilo durante algum tempo, mas por uma dessas coincidências históricas, chegou ao conhecimento público no pior momento possível. Os moradores da região souberam do “projeto nuclear” praticamente ao mesmo tempo em que ocorreu o acidente radiológico de Goiânia, que ficou conhecido como o acidente do Césio-137, o mais grave acidente de contaminação por radioatividade ocorrido no Brasil. O acidente que começou com o desmanche irregular de um aparelho radiológico, contaminou bairros, causou a morte de várias pessoas e contaminou gravemente mais de uma centena delas, um episódio divulgado à exaustão pelos veículos de comunicação. O início de implantação de Aramar ocorreu também após o acidente nuclear da usina de Chernobyl, na Ucrânia, ainda pertencente à extinta União Soviética, uma verdadeira catástrofe nuclear, que causou dezenas de mortes e teve repercussão internacional.

Foi nesse ambiente desfavorável que o País ficou sabendo que o Brasil construiria um reator nuclear e desenvolveria um propulsor para submarino na nossa região. As reações da opinião pública foram as esperadas e depois de uma forte campanha contra a instalação do projeto, uma passeata realizada em novembro de 1987 reuniu mais de 10 mil pessoas.

Foi preciso um bom trabalho de esclarecimento à população e um competente serviço de relações públicas para acomodar as coisas e hoje poucos se lembram da reação à instalação do projeto na região. Inaugurado pelo presidente José Sarney, cinco presidentes da República já o visitaram, o que não garantiu um desenvolvimento sereno, pois em mais de uma ocasião a crise econômica e a falta de recursos colocaram o desenvolvimento do reator nuclear em ritmo lento, quase parando.

O projeto Aramar que o presidente Jair Bolsonaro visitou já custou R$ 35 bilhões ao País, segundo a própria Marinha. É um processo lento e para colocar o submarino nuclear em condições de navegação serão necessários mais R$ 17,5 bilhões e vários anos de trabalho, o que só deverá acontecer em 2034. A visita do presidente -- que já havia conhecido as instalações quando era deputado federal -- marca o início da montagem do reator embarcado do primeiro submarino nuclear da Marinha do Brasil. A cerimônia com a presença presidencial foi bastante simbólica e repetiu a tradição naval do chamado “batimento da quilha”, que marca o início da construção do navio. O presidente acionou um dispositivo no vaso de contenção do reator.

O trabalho de construção de um reator em terra é uma das partes mais importantes do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) do governo brasileiro com propulsão nuclear. Nas próximas etapas, demais componentes como reator, motor elétrico e turbogeradores serão testados de maneira controlada no Laboratório de Geração Nucleoelétrica (Labgene) antes de sua instalação a bordo do submarino. Foi um longo caminho até aqui. Ainda falta outro tanto de esforços e investimentos, mas só o empenho e o investimento contínuo dos governantes garantirão o êxito do projeto.