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O legado das Olimpíadas

07 de Julho de 2019 às 00:01

O ex-governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (MDB), que já foi condenado a quase 200 anos de prisão e cumpre pena em presídio de Bangu, durante muito tempo negou veementemente qualquer envolvimento em casos de corrupção, apesar de todos os indícios mostrarem o contrário. No máximo admitia ter desfrutado de pequenos luxos por conta de sobras de campanha. De uns tempos para cá, possivelmente quando percebeu que não sairia mais da prisão se não negociasse algum tipo de delação premiada que diminuísse suas penas, passou a admitir não só seus atos criminosos, como apontar cúmplices e pessoas que conheciam as falcatruas.

Na última quinta-feira, diante do juiz Marcelo Bretas, admitiu que pagou propina para dois ex-atletas, um da Rússia e outro da Ucrânia, para que votassem no Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016. Ele depôs no processo em que é acusado de pagar 2 milhões de dólares para o presidente da Federação Internacional de Atletismo, para influenciar a escolha da cidade como sede dos Jogos. Cabral disse ainda que foi o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, que sugeriu a compra de votos e que tanto o ex-presidente Lula, como o ex-prefeito Eduardo Paes souberam da negociata. Aquela festa famosa realizada em Paris em setembro de 2009, que ficou conhecida como a “Farra dos Guardanapos”, onde governador, secretários e empresários confraternizaram de maneira bastante desinibida em um dos restaurantes mais caros da capital francesa, teria sido uma comemoração antecipada do acordo que traria os Jogos Olímpicos -- e uma enormidade de obras a serem superfaturadas -- para o Rio de Janeiro.

Para realizar os Jogos Olímpicos foi destruído o Autódromo de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. O Parque Olímpico construído no local, com suas instalações específicas para cada modalidade e alojamentos para centenas de atletas, acabaram se transformando em um problema. Os prédios de alojamentos, que seriam vendidos a particulares após o evento, estão encalhados e a maioria das instalações esportivas está ociosa e dando sinais de deterioração. De acordo com o Ministério Público Federal, foram gastos R$ 7 bilhões acima do orçamento e muitas empresas que prestaram serviços para o evento ainda não receberam. Na cerimônia de abertura, a cidade fez a promessa de plantar 13.250 mudas de árvores após o fim da competição, para formar a Floresta dos Atletas, mas o projeto não saiu do papel. O valor que muitas empreiteiras ganharam com superfaturamento das obras realizadas no Rio de Janeiro ainda não foi totalmente calculado, muito menos se sabe ao certo o quanto de propina foi distribuído no período. Um legado para envergonhar o País por muito tempo.

No Brasil, construções realizadas para competições esportivas sempre apresentam algum tipo de problema. Um exemplo típico são os estádios construídos para a Copa do Mundo de 2014. A Operação Lava Jato investigou as arenas construídas ou reformadas para o evento esportivo e descobriu que nove dos 12 estádios tiveram problemas, de acordo com as delações de ex-executivos das construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez. Segundo a Lava Jato, a corrupção rendeu a políticos e autoridades pelo menos R$ 120,9 milhões, segundo os cálculos mais conservadores. O Maracanã, estádio símbolo do futebol brasileiro e que foi reformado para a final do Mundial, é campeão de propina. Segundo o MPF, somente o ex-governador Sérgio Cabral -- sempre ele -- recebeu R$ 6,3 milhões em pagamentos ilegais. As propinas teriam chegado inclusive ao Tribunal de Contas do Estado. Não por acaso, em março de 2017, o presidente e quatro conselheiros do TCE-RJ foram presos, acusados de corrupção.

Há algumas semanas foi lançada a ideia da construção de um novo autódromo no Rio de Janeiro, desta vez em Deodoro, na zona norte, para que a cidade possa sediar novamente provas de Fórmula-1. E a obra nem começou e já surgiram problemas. O MPF informa que a licitação para a contratação da empresa responsável pelas obras do novo autódromo foi irregular e que o processo foi direcionado para uma empresa específica, a única a apresentar proposta e vencer a licitação no mês de maio. Outras irregularidades estão sendo encontradas, o que reforça a tese de que as licitações de obras de grande porte para competições esportivas precisam ser muito bem acompanhadas. A probabilidade de ocorrerem deslizes éticos ou corrupção pura e simples, é muito grande.