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O intocável Fundo Eleitoral

16 de Junho de 2020 às 00:01

O Brasil enfrenta hoje uma grave crise sanitária, com quase 900 mil pessoas contaminadas pelo novo coronavírus e mais de 41 mil mortos. Tragédia na área da saúde e a necessária política de isolamento social levaram também a uma crise econômica, com projeção de queda inimaginável do PIB neste ano.

A pandemia vem atacando indistintamente todos os países, mas alguns estavam mais preparados, em termos de estrutura de saúde e economicamente, para atravessar um período tão difícil como esse. No Brasil, que ainda patinava para sair da crise que começou em 2014, e apenas dava os primeiros passos em direção ao aumento dos empregos formais, por exemplo, a pandemia está sendo um desastre.

Além de paralisar a economia afetando todos os setores, praticamente eliminou de uma só vez quase todos os trabalhadores informais, que passaram a contar exclusivamente com auxílio emergencial do governo para conseguir sobreviver.

É neste cenário que o Tribunal Superior Eleitoral divulgou, na semana passada, o total de recursos a serem distribuídos pelo Fundo Especial de Financiamento de Campanha (Fefc), conhecido domo Fundo Eleitoral, para a eleição programada originalmente para este ano. São mais de R$ 2 bilhões a serem distribuídos pela legenda.

PT e PSL -- que representaram polos opostos nas últimas eleições -- terão direito, juntos, a quase R$ 400 milhões, mesmo com várias ações na Justiça sobre o uso indevido desses recursos de campanha no último pleito. Há ainda dez partidos considerados “sem voto” que receberão R$ 43 milhões de dinheiro público para tentar eleger algum representante nas próximas eleições.

O assunto, evidentemente, é polêmico e não são poucos aqueles que gostariam de ver esse dinheiro destinado a questões mais emergenciais, como a compra de equipamentos e insumos para o combate à Covid-19.

Até o ano de 2015, a principal fonte de recursos de partidos e das campanhas tinha como origem as grandes empresas, principalmente bancos e grandes empreiteiras, como foi relevado em várias fases da Operação Lava Jato.

Levantamento entre doadores mostra que a JBS, envolvida em inúmeros casos de corrupção, foi a grande doadora das eleições de 2014, quando destinou R$ 400 milhões para diversos partidos e candidatos. Em delação premiada, os diretores da gigante no setor de carnes admitiram que pagaram propinas maquiadas como doações eleitorais, registradas ou não, a quase 2 mil candidatos.

Diante desse quadro, um verdadeiro festival de toma lá, dá cá, o Supremo Tribunal Federal decidiu proibir o financiamento empresarial, com o argumento de que o poder econômico afeta o desejado equilíbrio entre candidatos. Em reação, o Congresso aprovou dois anos depois a criação do fundo eleitoral. Até essa data só existia o fundo partidário.

Além dos dois fundos, financiados pelo poder público, os candidatos e seus partidos ainda podem receber dinheiro de pessoas físicas, mas as doações são limitadas a, no máximo, 10% da renda do doador no ano anterior e até financiar as próprias campanhas.

Questionamentos sobre a destinação do Fundo Eleitoral a poucos meses das eleições começam a ganhar corpo e surgiram várias propostas para destinar parte desses recursos ao combate à pandemia causada pelo novo coronavírus.

A proposta de transferir recursos, que dependia de maioria simples para ser aprovada na Câmara dos Deputados, foi mencionada em 11 projetos de lei apresentados desde março por parlamentares dos mais variados partidos, mas nenhuma foi pautada pelo presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia (DEM), sob o argumento de que o uso desses recursos está previsto na “PEC da guerra”, aprovado no final de março.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM) também negou a possibilidade de o texto ser votado pelos senadores. Segundo ele, diante do volume de recursos anunciados pelo governo para o combate à Covid-19, o uso desse dinheiro não se faz necessário.

A atitude de Alcolumbre e Maia lembram muito a dos vereadores de Sorocaba que, ouvidos individualmente, mostram apoio à redução de seus salários para ajudar no combate à pandemia, mas se na realidade apegam a um parecer de inconstitucionalidade antes mesmo do projeto ser elaborado. Ou seja, políticos tratando de seus interesses. Não esperemos, portanto, gestos de altruísmo ou solidariedade.