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O exemplo do tapete

21 de Junho de 2019 às 00:01

O Brasil inteiro assistiu ontem às celebrações de Corpus Christi, uma tradição do catolicismo brasileiro presente tanto nas pequenas cidades como nas grandes metrópoles. A expressão latina Corpus Christi significa Corpo de Cristo e a data é celebrada pela igreja católica 60 dias depois do domingo de Páscoa. Esta quinta-feira, feriado, é considerado o dia em que Jesus Cristo instituiu o sacramento da Eucaristia. A tradição da confecção dos tapetes com materiais coloridos, presente principalmente no Sudeste brasileiro, sobretudo nas cidades históricas mineiras como Ouro Preto, se transformaram em uma tradição católica popular. Tem sua origem em Portugal e foi trazida para o Brasil no período colonial. No Estado de São Paulo, inclusive em Sorocaba, essa tradição se firmou ao longo da história, como mostram as reportagens publicadas na edição de hoje do Cruzeiro do Sul.

A confecção dos tapetes ricamente decorados não tem objetivo de penitência ou pagamento de promessas. É uma manifestação popular que tem como objetivo adorar a Cristo. Esse é o único dia em que o Santíssimo Sacramento sai pelas ruas e o ostensório, que armazena o Corpo de Cristo na hóstia, é carregado pelo sacerdote nas ruas enfeitadas. Os fiéis só podem passar pelo tapete colorido após a passagem do padre. É uma maneira simbólica de mostrar que Jesus anda por ali e é recebido pelos fiéis com ruas ricamente ornamentadas por tapetes.

Esse trabalho das comunidades em fazer esses tapetes tem um significado profundo e precisaria ser utilizado também em outras áreas não necessariamente ligadas à religião. Para elaborar os tapetes, os moradores de determinado bairro ou de determinada paróquia juntam serragem durante meses, desenvolvem maneiras de colori-las. Acumulam também grandes quantidades de pó de café e usam de criatividade para desenvolver nossos materiais que possam ser utilizados na construção dos tapetes. No dia de Corpus Christi, os voluntários acordam de madrugada, renunciam a um dia de lazer e passeios com a família para se dedicar à construção dos ornamentos. Cada um contribui com o que tem de melhor. O que sabe fazer desenhos prepara os esboços do tapete com motivos religiosos. O que tem habilidades para espalhar a serragem e distribuir as cores colabora a seu jeito construindo uma passarela ligando igrejas ou atravessando trechos da cidade por onde passará a procissão. São meses de preparação, de troca de ideias, de elaboração de projetos e desenhos, enfim, um convívio fraterno de pessoas com o mesmo objetivo: construir um tapete impecável que terá vida efêmera. Será visto por algumas horas para ser desmanchado com a passagem da procissão.

Seria muito interessante se esse projeto conjunto e desinteressado, um verdadeiro trabalho comunitário, pudesse ser realizado também em outras áreas. O Brasil precisa muito desse espírito de colaboração. Aproveitando esse convívio fraterno, é possível, por exemplo, limpar as ruas do bairro, eliminar focos de mosquito ou apagar pichações de prédios públicos ou privados. Com a mesma disposição é possível melhorar as condições das escolas que atendem à comunidade, reformar banheiros, pintar paredes, tornar enfim o local de estudo das crianças e adolescentes em local limpo, acolhedor e alvo da atenção comum. Ampliando ainda mais esse raciocínio, com a mesma disposição e energia que os fiéis elaboram um trabalho tão bonito, os cidadãos podem se reunir para discutir os problemas da localidade, encontrar soluções conjuntas e cobrar o que for necessário das autoridades constituídas.

Que bom seria se com o mesmo esmero com que são reproduzidas as imagens do Espírito Santo, representadas por pombos brancos confeccionados em serragem, símbolo da paz, os cidadãos lutassem por uma cidade menos violenta e mais fraterna, com menos crianças abandonadas pedindo donativos nas ruas. O trabalho espontâneo e desinteressado da confecção de tapetes de Corpus Christi mostra que é possível despertar o espírito de cooperação que a maioria dos cidadãos tem dentro de si e trabalhar por um bairro, uma cidade ou um País melhor.