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O dia seguinte

09 de Novembro de 2019 às 00:01

O dia seguinte à decisão do Supremo Tribunal Federal de que o cumprimento de pena de condenados deve ocorrer somente após o trânsito em julgado de seus processos, esgotados todos os recursos, foi marcado pela autorização de soltura imediata do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpria pena na sede da Polícia Federal em Curitiba, talvez o maior objetivo do julgamento convocado pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, uma questão que havia sido decidida pelo plenário em três oportunidades muito recentes. Além da liberação de Lula, o ex-ministro José Dirceu, artífice do Mensalão e envolvido igualmente no complexo esquema de corrupção conhecido genericamente como Petrolão e descoberto pela Operação Lava Jato também reivindica a liberdade, assim como tantos outros condenados. Nos próximos dias, mais e mais envolvidos em crimes de colarinho-branco e do crime organizado engrossarão a fila daqueles que, com recursos suficientes para recorrer infinitamente nas instâncias judiciais, poderão aguardar em liberdade até quem sabe, a prescrição de suas penas.

O que entrou em julgamento por determinação do presidente do STF foram três ações declaratórias de constitucionalidade, sem um paciente específico, apresentadas pela OAB e por dois partidos políticos. Os processos tinham como objetivo acabar com interpretações diferentes do artigo 283 do Código do Processo Penal, que trata do cumprimento da pena. Depois que a ministra Carmen Lúcia se negou a colocar em pauta a questão em seus dois anos de presidência da Corte, Toffoli anunciou sua disposição em colocá-la em julgamento novamente, mesmo antes de assumir o cargo. Prometeu e cumpriu. Em seu confuso voto durante a sessão da última quinta-feira, como que para retirar parte do peso da decisão de seus ombros, lembrou que cabe ao Congresso criar as leis. A missão do STF é apenas a de interpretá-la.

Análise sensata sobre o novo entendimento do STF sobre a questão foi feita pela ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que sempre se posicionou contra nova mudança de entendimento, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Para Dodge, o fim da prisão após condenação em segunda instância é um triplo retrocesso: falta de estabilidade, com idas e vindas na interpretação da questão; perda de eficiência do sistema, com a volta dos processos penais infindáveis, recursos protelatórios e prescrições e, o que é pior, a perda de credibilidade do Judiciário junto à sociedade, pela eterna sensação de impunidade, principalmente de réus ricos e poderosos.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) lamentou a decisão e afirmou que o novo entendimento prejudica o combate à criminalidade e deve resultar na prescrição de diversos ilícitos, acarretando a impunidade aos criminosos. A entidade destacou que a decisão ainda traz insegurança jurídica, uma vez que pode significar a libertação de aproximadamente 5 mil condenados. A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba declarou que a decisão do STF deve ser respeitada, mas está em desacordo com o combate à corrupção. A decisão da Corte, segundo o grupo, está em dissonância com o sentimento de repúdio à impunidade e com o combate à corrupção, que são prioridades do País. A força-tarefa lembrou ainda que a existência de quatro instâncias de julgamento, uma peculiaridade brasileira, associada ao número excessivo de recursos que podem chegar a uma centena em alguns casos criminais, resulta na demora e prescrição, aliados da impunidade.

Após o julgamento no STF, onde Toffoli disse que o Congresso tem autonomia para mudar o entendimento sobre a liberdade até o fim do processo penal, parlamentares passaram a pressionar por uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no Congresso. Enquanto o presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP) rejeita pautar de imediato a proposta, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet, adiantou que pretende colocar em discussão a PEC e já existem alguns senadores trabalhando no texto. Na Câmara, a votação de uma PEC com o mesmo teor foi anunciada para a semana que vem na CCJ. Sergio Moro, ministro da Justiça e da Segurança Pública, símbolo da Lava Jato, a maior operação realizada no Brasil contra a corrupção e lavagem de dinheiro, diz que sempre defendeu e continuará defendendo a prisão após condenação em segunda instância. E ele aponta uma decisão do Congresso como a nova trincheira na luta contra os corruptos. Segundo ele, o Legislativo pode alterar a Constituição ou a lei para permitir novamente a execução em segunda instância, uma arma eficaz, como já foi demonstrado, no combate à corrupção. Nas palavras do ministro, “juízes interpretam a lei e congressistas fazem a lei, cada um em sua competência”.