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O comércio nos semáforos

11 de Maio de 2019 às 00:01

Dias atrás -- e essa não foi a primeira vez -- a Guarda Civil Municipal de Sorocaba prendeu um casal de adultos nas proximidades da praça Kasato Maru, no bairro Campolim, por exploração infantil. Pelo que se descobriu, eles exploravam menores de idade que vendiam doces nos semáforos daquela região de trânsito intenso. Com os suspeitos foram apreendidos aproximadamente 1,9 mil pacotes de pipoca doce, a mercadoria que menores ofereciam a motoristas que aguardavam a abertura do sinal, colocando sua própria vida em risco ao circular entre os veículos. Na prisão e apreensão de mercadoria teve a presença da Polícia Federal, que investiga a participação do crime organizado nesse tipo atividade.

O Brasil ainda vive uma situação difícil, resultado da pior crise econômica de sua história e que teve início em 2014. De lá para cá, um grande número de empresas fechou, pequenos negócios foram para o ralo, empresas enxugaram seus quadros de funcionários e o resultado é que temos mais de 13 milhões de pessoas desempregadas, sem contar outros milhões de desalentados que já desistiram de encontrar colocação no mercado de trabalho e acabaram forçados a aceitar uma vida de privações. Dias atrás, o anúncio de que a Universidade do Trabalhador, Empreendedor e Negócios (Uniten), uma unidade educacional da Prefeitura, abriria vagas para 12 cursos gratuitos de formação profissional foi suficiente para levar centenas de pessoas à unidade. Muitas amanheceram na fila em busca de uma vaga para cursos como o de desenhista de sobrancelhas, eletricista automotivo, logística e padeiro, entre outros. As senhas para a inscrição foram distribuídas rapidamente e o perfil dos interessados é muito semelhante: pessoas que estão fora do mercado de trabalho e precisam, desesperadamente, de algum tipo de aperfeiçoamento profissional para voltar a ter uma ocupação remunerada e com carteira assinada.

Sem empregos formais ou acesso a outras oportunidades, muita gente passou a se dedicar ao comércio ambulante, à venda de qualquer tipo de mercadoria para conseguir sobreviver. Um motorista que cruzar Sorocaba na atualidade vai encontrar em vários semáforos vendedores de balas, de panos de chão, acessórios para celulares, biscoitos, entre tantos outros. Estarão dividindo espaço com os vendedores malabaristas improvisados e pessoas em situação de rua portando cartazes pedindo auxílio financeiro. Chega a ser comovente presenciar pais de família vendendo doces em uma situação precária de segurança para garantir a alimentação de sua família. A modalidade mais usada atualmente é a dos vendedores de doces que colocam seus produtos no para-brisa dos carros parados e, numa movimentação frenética e perigosa, tentam vender suas mercadorias enquanto o sinal está fechado. O problema é que ao lado de adultos e jovens sem outra oportunidade de trabalho presenciamos crianças vendendo produtos, o que é proibido por lei e, como tem ocorrido com alguma frequência, muitas delas são aliciadas por adultos para esse trabalho de risco. Ficam com uma parcela mínima do que é vendido aos motoristas. A maior parte vai para os aliciadores. A última apreensão da GCM mostra que há organização nesse comércio. Havia um ponto onde o estoque era guardado e distribuído de acordo com a demanda. A Polícia Federal investiga fortes indícios da presença do crime organizado nesse tipo de operação.

Para evitar o risco que essa atividade frenética entre os carros oferece, além da exploração de menores, vários municípios criaram legislações que proíbem o comércio nos semáforos. Campinas tem, desde 2010, lei municipal que proíbe a venda de produtos em cruzamentos, tenham eles semáforos ou não, assim como a prática da mendicância, malabarismos e distribuição de folhetos de propaganda nesses locais. Em Belo Horizonte, a proibição faz parte do Código de Posturas do município, mas não impede que o comércio ilegal persista em alguns cruzamentos movimentados.

É uma situação complexa e delicada até para a autoridade policial ou o fiscal que tem, por força de suas obrigações funcionais, de apreender mercadorias ou impedir que pessoas busquem a sobrevivência de suas famílias nessas condições precárias. Mas é preciso que o poder público se debruce sobre esse assunto, analise à exaustão alternativas para tentar uma solução satisfatória. Atropelamentos ou acidentes graves podem ocorrer a qualquer momento por conta dessa movimentação nas vias públicas. E é aproveitando a comoção que esse tipo de atividade causa na população que pessoas ou grupos sem qualquer escrúpulo tentam tirar suas vantagens explorando o trabalho dos mais fragilizados.