Buscar no Cruzeiro

Buscar

“No llores por mi, Venezuela”

24 de Fevereiro de 2019 às 00:01

Um grande produtor de petróleo, membro da Opep, que já mandou nas crises de energia do mundo, a Venezuela foi, antes dos golpes populistas de militares de esquerda -- destacando-se Hugo Chávez e o incompetente ditador Nicolás Maduro que arvorou-se herdeiro do primeiro -- um país que outrora foi invejado entre os melhores do mundo: um sonho tropical com abundância de recurso graças ao petróleo. “Mucha plata negra” saindo do chão. Há cinquenta anos, a Venezuela era um exemplo para o restante da América Latina, com uma democracia relativamente estável e quase tão rica quanto a Grã-Bretanha. É de se questionar como essa tragédia aconteceu. Tudo aponta para a incompetência dos governos de Chávez e, principalmente, de Maduro.

Hoje é difícil dimensionar a severidade da crise na Venezuela. Uma reportagem da revista Época Negócios apontava que a economia venezuelana não só diminuiu 10%, como no final de 2017 a expectativa era de ser 23% menor do que era em 2013, de acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os preços ao consumidor da Venezuela subiram 1,3 milhão por cento no ano nos últimos 12 meses até novembro, com inflação superior a 1.000.000% em 2018. Os efeitos humanitários são ainda mais impressionantes: em 2017 quase três quartos dos venezuelanos perderam, em média, 8,7 quilos de peso, por pessoa, por causa da escassez de comida. Nenhuma guerra é responsável por isso. A Venezuela fez isso a ela mesma, defende artigo da revista ‘The Economist”.

Este aspecto perverso contra o próprio povo já é sentido até aqui em Sorocaba, pela diáspora de pessoas com alta qualificação que deixaram seus lares e famílias naquele país em busca de sobrevivência e empregos. Estranhamente, intelectuais e ativistas de esquerda, alguns do finado partido que trouxe o encolhimento do Brasil e pela polarização que ajudou a eleger o atual governo federal, esses mesmos pensadores sociais pouco dizem ou se importam com o povo venezuelano. A esquerda brasileira parece conviver pacificamente com desmandos de Maduro. A velha expressão italiana parece sair de suas bocas: “me ne frego”. Não me importo. Textos primorosos, falaciosos, de raciocínio vesgo, defendem o Estado que tudo pode. O Estado é Maduro.

Joia rara, coroa dessa estultice é a frase da deputada federal Gleise Hoffmann (PT), que se expressou pelo Twitter: “Dias tristes nos esperam na América Latina com essa intervenção fantasiada de ajuda na Venezuela. Sofreremos por essa posição do Brasil de se submeter aos interesses dos EUA. Não serão eles a viver os efeitos desse conflito.”

É sempre bom lembrar que, historicamente, o Brasil, mesmo nos períodos de forte intervenção militar em que mandava o general Ernesto Geisel, quebrou acordos de cooperação militar com os EUA por não concordar com a intervenção em alguns assuntos. O País tem uma longa tradição de alinhamento de ideias, mas não de subserviência ou de mero executor de tarefas dos EUA, por mais “alinhado” que possa parecer com a visão estreita do governo Trump.

Mesmo que supostos intelectuais da direita brasileira queiram um alinhamento cego, é simplesmente contra a tradição militar do Brasil. Ajuda humanitária, sim. Guerra ou intervenção, não. Ainda mais em se tratando de militares que serviram em questões humanitárias na América Latina, como no Haiti.

A posição inicial do general Augusto Heleno, que sugeria que haveria um alinhamento muito afinado com os EUA no início do governo Bolsonaro, mudou. Foi inteligente da parte do governo brasileiro desfazer esta possível associação na qual o governo Trump acenava inclusive com intervenção militar, já que o Brasil tem relações e representatividade expressiva na América Latina. Um alinhamento sem critérios poderia ser nocivo às relações comerciais e diplomáticas em todo o continente. Faz bem o presidente em enviar, amanhã, o vice-presidente Mourão para a reunião do Grupo de Lima, em Bogotá, na Colômbia. Dará ao encontro o peso que a decisão conjunta dos países terá nos próximos passos para com a Venezuela e o presidente Maduro.

Mourão, que parece ser o porta-voz de serenidade dentro do governo Bolsonaro, disse, literalmente, à BBC Brasil: “Da nossa parte jamais entraremos em uma situação bélica com a Venezuela, a não ser que sejamos atacados (...) aí é diferente, mas eu acho que o Maduro não é tão louco a esse ponto, né? E também vejo ali do lado mais complicado, que é o lado colombiano, acho que vai ficar nessa situação de impasse, como está (...) A questão interna é um problema. (...) Na minha visão, Maduro fechou a fronteira exatamente para impedir que os venezuelanos viessem ao Brasil para pegar suprimentos. Ele quer manter o país fechado. Por que não acredito que ele imaginasse que nós entraríamos em força dentro da Venezuela -- nós já reiteramos inúmeras vezes que não faríamos isso -- para levar suprimentos.”

Os problemas estão se agravando na Venezuela, enquanto o governo do presidente Nicolás Maduro caminha em direção a uma ditadura cada vez mais odiosa, com práticas e ações bastante conhecidas de ditadores acuados: identificação de um inimigo comum para o país, na tentativa de unir o povo e assegurar-lhe mais tempo no poder. O general argentino Jorge Videla, em abril de 1982, fez o mesmo ao criar o conflito com a Inglaterra pelas ilhas Malvinas. Quem ganhou foram os que chamam as ilhas de Falkland.

Chorou a Argentina, além de um belo musical? Chorará Maduro uma ópera bufa?