Buscar no Cruzeiro

Buscar

Multinacional clandestina

19 de Junho de 2019 às 00:01

A Polícia Militar fechou nesta semana uma fábrica clandestina de cigarros no bairro da Liberdade, em Piedade, Região Metropolitana de Sorocaba. Entre os seis detidos na operação policial, cinco são paraguaios e um é brasileiro, natural do Rio de Janeiro. Não é um fato inédito. No dia 22 de maio, há menos de um mês, portanto, outra fábrica semelhante foi descoberta no mesmo município, no bairro rural do Jurupará. Nessa segunda fábrica, que funcionava perto de uma escola estadual, a polícia deteve 15 pessoas, sendo dez cidadãos paraguaios e cinco brasileiros e pelas primeiras informações, os responsáveis pelo empreendimento clandestino seriam do Paraguai. Os envolvidos foram presos por policiais do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) que, assim como os policiais militares da segunda ocorrência, encontraram a fábrica por acaso, quando trabalhavam em outra investigação.

O contrabando de cigarros é altamente lucrativo para as organizações criminosas que dele participam. Calcula-se que mais de 35% de todos os cigarros consumidos pelos brasileiros, principalmente entre aqueles de menor renda, são contrabandeados. E é muito fácil comprar esses produtos. Muitos bares vendem os contrabandeados sem qualquer problema. Num rápido passeio pela região central da cidade, principalmente no entorno do Mercado Municipal, é possível ver vendedores oferecendo um pacote com dez maços por R$ 25 reais. Esses cigarros produzidos no país vizinho, segundo especialistas, têm altas doses de nicotina. Todos os cigarros são prejudiciais à saúde, mas esses produtos clandestinos são produzidos de maneira precária, praticamente sem qualquer controle, com altos índices de agrotóxicos e outros produtos que os tornam ainda mais nocivos.

Graças às campanhas educativas, uma legislação rigorosa e impostos elevados, somente 10% da população brasileira mantém o hábito de fumar, ante a quase 35% em 1989. Mas o dinheiro que a venda de cigarros move é altíssimo. Isso ocorre porque os impostos cobrados naquele país são muito inferiores aos cobrados no Brasil -- 13% ante 75%. Nos últimos meses, a apreensão de cargas de cigarros vindos do Paraguai aumentou consideravelmente, embora a venda nas ruas brasileiras continue alta. Em Sorocaba foram descobertos grandes depósitos com quantidades gigantescas do produto, que revelou o envolvimento de grandes grupos de criminosos no negócio. A localização de duas fábricas clandestinas na região pode indicar uma mudança de estratégia dos contrabandistas. Em vez de trazer o produto pronto do Paraguai, com todos os riscos e “despesas” inerentes a grandes cargas de contrabando, talvez seja mais barato fabricar o produto por aqui mesmo, com pequenas unidades fabris que, se descobertas, não afetem o negócio como um todo. Certamente não foi coincidência prender nas duas fábricas de Piedade cidadãos paraguaios envolvidos no negócio. Também não deve ser coincidência que as pequenas fábricas produzam cigarros com as mesmas marcas do produto contrabandeado. As marcas de cigarros mais vendidas no Brasil, entre elas a Eight, são produzidas no país vizinho pela Tabacalera del Este S/A (Tabesa), de propriedade do ex-presidente paraguaio Horacio Cartes. Mesmo sem exportar legalmente para o Brasil, a empresa fornece de 70% a 80% das principais marcas vendidas ilegalmente no Brasil.

É preciso uma investigação completa sobre esse tipo de atividade. Se duas fábricas foram descobertas em Piedade, é muito provável que várias outras estejam funcionando na região que antes só era conhecida como sendo corredor do contrabando que aproveitava rodovias como Castelo Branco ou Raposo Tavares para introduzir o produto ilegal no país. Podemos estar diante de uma nova modalidade de comercialização do produto, com a exportação de fábricas e técnicos especializados. Os funcionários detidos nas operações policiais, principalmente os estrangeiros, devem ter informações importantes sobre essa nova modalidade de crime.