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Mendicância itinerante

19 de Dezembro de 2018 às 09:23

O sorocabano tem notado nos últimos anos aumento considerável da mendicância e de moradores em situação de rua. Apesar dos esforços que o município tem feito, muitas vezes acompanhados por este jornal, fica claro que Sorocaba se tornou uma espécie de polo regional de atração de mendigos, pessoas que se abrigam durante a noite em marquises de prédios da região central ou de avenidas importantes e durante o dia vivem da generosidade da população, por meio de esmolas ou pela compra de produtos vendidos nos semáforos.

O prefeito José Crespo (DEM), durante o almoço anual do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), na última sexta-feira, pôs o dedo na ferida. Ele classificou a posição da cidade em relação ao problema como vítima de verdadeiro “despejo” de pessoas em situação de vulnerabilidade. Sem mencionar quais municípios estão adotando tal prática, ele comentou durante o encontro que está ocorrendo transporte clandestino de moradores de rua de outras cidades para Sorocaba. A prática, como se sabe, não é nova. A própria reportagem apurou que há dois meses moradores do bairro Vergueiro viram vários moradores de rua desembarcando de uma perua Kombi nas proximidades da Rodoviária que os trouxe de outro município. Crespo revela que tais situações dificultam ainda mais a solução desse problema social e criticou a irresponsabilidade de algumas cidades em querer se livrar do problema transferindo-o para outra cidade.

O caso mais drástico desse tipo odioso de “limpeza social” ocorreu no então Estado da Guanabara, em 1965, quando o Rio de Janeiro comemorava o 4º Centenário. O ex-governador Carlos Lacerda planejava semanas de festividades com grande número de convidados estrangeiros e pediu que retirassem os mendigos da região central e zona sul da Cidade Maravilhosa. Descobriu-se depois que os mendigos eram retirados da cidade pela polícia e muitos eram jogados no rio Guandu, longe do centro. Uma das moradoras de rua atiradas na água, por acaso era uma ex-campeã olímpica de natação que havia caído no alcoolismo e na mendicância. Ela conseguiu se salvar e denunciou o fato aos jornais da época. Lacerda alegou desconhecimento até o final da vida, mas o tratamento de extrema violência dado aos moradores de rua entrou para a história.

Embora longe do ideal, Sorocaba tem alguma estrutura para atender pessoas em situação de rua. A Secretaria de Igualdade e Assistência Social (Sias), com apoio da Guarda Municipal, tem realizado um trabalho de abordagem e encaminhamento dessas pessoas. Mas além do grande número de pessoas vulneráveis nas ruas, nem todos querem auxílio para se reintegrar à sociedade, regularizar documentos, conseguir emprego ou ocupação. O universo dos moradores de rua é muito complexo. Ali se misturam aqueles que se desentenderam com a família e ficaram sem ter onde morar, aqueles que ficaram desempregados e sem condições de morar em local digno, muitos têm problemas com álcool ou drogas e há também os que necessitam de tratamento psiquiátrico. Sem ter endereço fixo, sem documentos, sem profissão e sem motivação, essas pessoas entram em um ciclo vicioso difícil de abandonar. Sorocaba dá um tratamento humano aos moradores de rua que aceitam ajuda e isso faz com que retornem à cidade. E há ainda, conforme revelou a secretária Cíntia de Almeida, a questão dos lucros que a rua oferece a agenciadores. Segundo ela, menores aliciados para vender coisas nos semáforos chegam a faturar R$ 450 somente em uma manhã. É evidente que o grosso do dinheiro fica com o aliciador, mas é uma fonte de dinheiro não desprezível para quem não tem nada.

O problema causado pelos moradores de rua não é exclusivo da região de Sorocaba, nem do Brasil. Uma rápida pesquisa sobre o assunto mostra que Londres, Paris e Berlim enfrentam o mesmo problema, sem obter sucesso, embora disponham de muito mais recursos e sistemas de bem-estar social robustos.

O prefeito Crespo tem razão em cobrar maior participação da Agência Executiva da Região Metropolitana de Sorocaba. A Sias tem promovido reuniões como representantes de outros municípios da RMS para discutir o problema e foi criado um protocolo com os compromissos assumidos. Mas pelo visto, nem todos os municípios se conscientizaram que enviar moradores de rua para o vizinho é como esconder lixo sob o tapete. Nada se resolve, apenas tenta-se ocultar o problema.