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Mais transparência

27 de Fevereiro de 2019 às 00:01

O Brasil tem uma legislação de trânsito considerada avançada. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), implantado em 1998, é severo contra as infrações de trânsito e tem como objetivo coibir abusos e desobediência à legislação nas ruas e estradas brasileiras. E é assim que deve ser: uma legislação rigorosa que tenha um objetivo pedagógico, ou seja, ao cobrar valores relativamente altos e anotar pontos no prontuário da Carteira Nacional de Habilitação do motorista, a intenção é incentivá-lo a prestar mais atenção às leis de trânsito para não infringi-las.

Hoje, avançar o sinal vermelho pode gerar uma multa de R$ 293,47 e sete pontos na carteira, enquanto que trafegar pelo acostamento pode representar uma multa de R$ 880,41 e os mesmos sete pontos. As duas infrações são consideradas gravíssimas. Ocorre que essas duas infrações podem ter sido cometidas por motivo maior. O motorista pode ter cruzado no vermelho ou entrado no acostamento para dar passagem a um veículo do Corpo de Bombeiros ou uma ambulância, por exemplo. Existe a alternativa de o condutor poder recorrer da multa e tentar reverter a anotação dos pontos na CNH, mas dificilmente obterá êxito. Há ainda a possibilidade de o infrator solicitar a conversão de multa em advertência, uma alternativa prevista no CTB para condutores com bom histórico de direção. Certamente por falta de informação, pouquíssimos motoristas usam esse recurso. No ano de 2017 -- último levantamento com dados disponíveis -- foram arrecadados no Brasil perto de R$ 9 bilhões com multas de trânsito. No ano anterior o valor ficou na mesma faixa segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), um dinheiro considerável. Essa receita, de acordo com artigo do CTB, deve ser destinada exclusivamente a áreas públicas, como engenharia de tráfego, educação no trânsito e policiamento de vias.

Levantamento realizado no ano passado por uma emissora de televisão revelou que apenas uma minoria dos motoristas multados recorre à Junta Administrativa de Recursos de Multa (Jari) existentes nos municípios e somente uma parcela muito pequena têm seus pedidos deferidos. Dos que entram com recurso, poucos obtêm sucesso. No Estado de São Paulo, no ano passado, somente 13% tiveram o recurso deferido, 22% no Rio de Janeiro e menos de 1% no Rio Grande do Sul. Em Sorocaba a situação não é diferente. De acordo com dados fornecidos pela Urbes - Trânsito e Transportes foram protocolados no ano passado 2.325 recursos dos quais somente 417 foram deferidos, ou seja, aproximadamente 18%. Tal situação levou o Ministério Público do Estado de São Paulo a investigar suposta falta de critérios para emissão do parecer nos recursos de multas em Sorocaba. Decisões proferidas sem fundamentação e ausência de remessa aos recorrentes das razões do julgamento motivaram a abertura de inquérito. Conforme documento do MP, os problemas representam, em tese, ofensa clara aos princípios da administração pública e improbidade administrativa. Quem tem pedido indeferido pela Jari pode recorrer ao Conselho Estadual de Trânsito, que é uma segunda instância nesses casos, mas o número de interessados é ainda menor.

Investigações sobre a atuação do Jari não são uma exclusividade de Sorocaba. O mesmo MP-SP manifestou no ano passado intenção de investigar as nomeações dos profissionais que fazem parte do Jari de São José do Rio Preto por falta de experiência no setor, o que é exigido pela resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Existe a suspeita de que os membros das três Juntas de Rio Preto foram escolhidos por critérios políticos, pois muitos eram dirigentes de partidos aliados do prefeito e recebiam pela atuação no órgão. Cada membro recebia cerca de R$ 500 por reunião e naquele município são realizados, em média, nove encontros mensais.

Em Sorocaba, o promotor encarregado do caso informa que as irregularidades encontradas na atuação da Jari parecem ser uma prática recorrente, ofensivos ao estado democrático de direito e que violam artigos da Constituição Federal. Pediu ainda informações detalhadas aos órgãos, inclusive a composição da Junta, com as atribuições de cada um de seus membros. A iniciativa é correta. A Jari, um órgão cujas decisões podem afetar a vida de centenas de pessoas, precisa trabalhar com transparência, com imparcialidade e critérios técnicos reconhecidos.