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Infância prejudicada

20 de Julho de 2018 às 11:52

A maioria das pessoas que dirige pelas ruas de Sorocaba já percebeu que aumentou bastante nos últimos tempos o número de vendedores nos cruzamentos. Os mais observadores devem ter percebido que entre essas pessoas que se esgueiram entre carros, motos e veículos pesados há muitas crianças e adolescentes oferecendo doces e balas, entre outros produtos. De acordo com reportagem publicada por este jornal, a Coordenadoria da Criança e do Adolescente da Secretaria da Igualdade e Assistência Social contou 84 crianças e adolescentes nessa situação nas ruas da cidade. O levantamento é resultante de 110 abordagens em 36 pontos diferentes do município entre os meses de janeiro e março. A avenida campeã dos flagrantes do trabalho infantil é a Antônio Carlos Comitre, no bairro Campolim. Cruzamentos da avenida Ipanema, na zona norte, também são bastante frequentados por muitas crianças para vender seus produtos.

Essa situação de crianças vendendo coisas em cruzamentos é parte visível de um problema maior. É a ponta do iceberg do trabalho infantil na região que, evidentemente, não se resume à venda de doces nos semáforos, mas em muitas outras atividades. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que o uso de mão de obra infantil vem crescendo no país. Desde 2013 nota-se o aumento dos casos de trabalho infantil entre crianças de 5 a 9 anos. Em 2015, ano da última pesquisa da instituição, 80 mil crianças nessa faixa etária estavam trabalhando. Cerca de 60% delas vivem na área rural das regiões Norte e Nordeste, mas o problema existe em todas as regiões do Brasil. A mão de obra de crianças e adolescentes é explorada de forma indiscriminada não só nos semáforos, mas também nos lixões, feiras, restaurantes, no campo, indústrias e em trabalhos domésticos.

Nas ruas de Sorocaba, a faixa etária com o maior número de crianças é de 11 a 13 anos, representando 48% do total. Em seguida aparecem os adolescentes entre 14 e 17 anos, mas foram encontradas muitas crianças na faixa de 7 a 10 anos. As crianças que trabalham de forma irregular têm seu aprendizado prejudicado. Seus sonhos, brincadeiras e proteção são substituídos por uma rotina de responsabilidades e exposição a perigos e risco de traumas para as quais não estão preparadas. De acordo com a Constituição Federal, é proibida para menores de 16 anos a execução de qualquer trabalho, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, mas as atividades de aprendizagem não devem prejudicar a frequência nem o rendimento escolar do adolescente. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) reforça a proibição restringindo a possibilidade de trabalho a menores de 16 anos apenas a casos autorizados pela Justiça e estabelece critérios para a contratação de aprendizes.

De acordo com o Mapa do Trabalho Infantil, um levantamento realizado por várias entidades em parceria com o Ministério Público do Trabalho, divulgado no ano passado, há 2,7 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos que trabalham no Brasil e a cada três crianças que trabalham, duas são do sexo masculino. No trabalho doméstico, 94% são do sexo feminino.

O quadro é grave e desperta polêmica, principalmente pelo fato de que muitas dessas crianças e adolescentes estão trabalhando nas ruas para ajudar os pais que estão desempregados e os trocados que conseguem, muitas vezes, é a única renda da família. Essa situação leva muita gente a acreditar que o trabalho precoce possa ser uma solução precária. Essa maneira de encarar o trabalho infantil é equivocada, defendem os especialistas, apoiados em dados estatísticos que mostram o contrário. Ou seja, o trabalho precoce não é solução, pois ele reproduz a pobreza, uma vez que provoca a exclusão social e a exclusão escolar. Com a educação formal prejudicada a criança perpetua sua situação de pobreza e fecha as portas de acesso a trabalhos melhores qualificados no futuro.

O problema é extremamente complexo e requer atenção especial das autoridades, com a criação de políticas públicas específicas, como escola em período integral, por exemplo, além de alternativas de geração de renda para as famílias que têm crianças nessas condições.