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Hora de dizer não ao trabalho infantil

13 de Abril de 2021 às 00:01

Há pouco mais de um mês, editorial deste Cruzeiro do Sul -- tomando como base algumas reportagens sobre trabalho infantil publicadas no jornal e que retratavam como esse problema vinha se agravando na cidade -- lembrou que a prática, de qualquer natureza, deve ser combatida pela sociedade em geral e principalmente por todos os órgãos governamentais.

Afinal, uma coisa é a valorização de quem trabalha precocemente, desde que esse cedo seja após a formação educacional básica. Outra coisa, bem diferente, é o trabalho infantil executado em desacordo com a legislação específica, feito muitas vezes como uma forma de exploração de menores por parte de adultos inescrupulosos.

É para combater justamente esse tipo de atividade que a Prefeitura de Sorocaba, por meio das secretarias de Governo (Segov), Cidadania (Secid) e Comunicação (Secom), em parceria com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), Conselho Tutelar, Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público (MP), Polícia Militar (PM) e o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, acaba de dar início à Campanha Municipal de Combate ao Trabalho Infantil.

Usando como mote a hashtag #DigaNãoAoTrabalhoInfantil, a ação tem como objetivo juntar forças e alertar a sociedade sorocabana para os riscos e a necessidade de maior proteção das crianças e adolescentes.

A intenção é que o movimento reúna diversos órgãos, entidades privadas, veículos de comunicação e influenciadores na busca por soluções em torno do tema. A campanha vai divulgar e alertar, de forma ampla e direta, que algumas atitudes, como comprar doces, balas e outros produtos das mãos de uma criança, sobretudo em semáforos, acabam colaborando para o aliciamento e a exploração. O movimento ainda incentiva que as pessoas denunciem essa situação de violação dos direitos, pelo Disque 100 (Disque Direitos Humanos).

Em 2020, por exemplo, a Secretaria da Cidadania registrou 47 crianças e adolescentes em situações de trabalho infantil em Sorocaba, sendo 27 atuando com vendas de produtos em semáforos. Situações como essas interrompem a infância, causando danos às crianças, que deveriam estar brincando e estudando.

A Constituição Federal estabelece a proibição de qualquer trabalho a pessoas com idade inferior a 16 anos, salvo na condição de menor aprendiz, a partir dos 14, condição resguardada pela Lei do Aprendiz. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que toda criança e adolescente tem que ter tempo livre para brincar e estudar.

São direitos fundamentais já que o trabalho infantil prejudica o desenvolvimento físico, psicológico e intelectual, além de deixar vulnerável à exploração sexual, ao consumo de drogas, ao aliciamento pelo tráfico e outras atividades criminosas.

A permissividade do trabalho infantil no País acabou virando uma questão cultural da sociedade brasileira, como bem lembrou o desembargador do TRT da 15ª Região, João Batista Martins César, que também é presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem do tribunal.

“Aceitamos, com muita naturalidade, o trabalho infantil do filho do pobre, mas os filhos dos integrantes das classes média e alta adentram ao mercado de trabalho após a formação universitária, muitas vezes, após o mestrado e doutorado”, afirma ele. É a pura verdade.

Segundo ele, há mitos antigos e comuns que precisam ser rechaçados. Um deles é que o trabalho infantil não mata ninguém. “Isso não é verdade, já que, de 2007 a 2020, tivemos mais de 49 mil acidentes envolvendo crianças e adolescentes no Brasil, com mais de 290 óbitos e 20 mil ocorrências graves”, diz o desembargador.

E para quem defende que é melhor trabalhar do que roubar, uma lembrança: mais de 80% dos adolescentes que estão na Fundação Casa começaram a trabalhar precocemente. Então, trabalhar cedo não é salvo-conduto de que o menor não se envolverá em atos infracionais.

Evidentemente que entre trabalhar e roubar, é óbvio a primeira opção. Mas o melhor para uma criança não é nem um nem outro, e sim que ela tenha tempo e condições de viver a infância, estudando e brincando, até a hora de iniciar o trabalho.

Mas como fazer isso? É necessário que o município implemente políticas públicas para a erradicação do trabalho infantil. “Desse modo, urge a efetiva implementação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), firmado com o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público do Estado de São Paulo”, afirma o procurador do Ministério Público do Trabalho de Sorocaba, Juliano Alexandre Ferreira.

A Secretaria da Cidadania (Secid) coordena o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, instituído pela Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), como um programa de caráter intersetorial que compreende transferências de renda, trabalho social com famílias e oferta de serviços socioeducativos para crianças e adolescentes que se encontram em situação de trabalho.

O objetivo do Peti é proteger crianças e adolescentes, menores de 16 anos, contra qualquer forma de trabalho, garantindo que frequentem a escola e atividades socioeducativas.

O trabalho social da Secid se inicia pelo Centro de Referência de Assistência Social (Cras), que funciona como uma porta de entrada da população para todos os benefícios (municipal, estadual e federal), além de verificar outras necessidades dessas famílias de alta vulnerabilidade social.

Elas são encaminhadas para a rede socioassistencial formada pela própria estrutura pública e pelas entidades que têm convênio com a Secretaria. Caso seja identificada uma situação de ameaça ou violação de direitos, que é o caso do trabalho infantil, a família, então, é encaminhada ao Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas).

Em Sorocaba, o Conselho Tutelar, órgão permanente e autônomo, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, atende esses casos de trabalho infantil, ou qualquer outra situação, em que as crianças e os adolescentes necessitam de proteção, seja em casos de risco, violência ou negligência.

Cabe a todos nós, portanto, ajudarmos para que um programa como esse dê certo. É o ponto de partida para algo de extrema importância em nossa sociedade e em nossa cidade.