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Greve no grito

15 de Junho de 2019 às 00:01

O Brasil assistiu ontem a uma tentativa de greve geral convocada pelas centrais sindicais, partidos de oposição e entidades estudantis. Em praticamente todo o País, em maior ou menor grau, assistimos a uma paralisação parcial apesar de que em algumas localidades, como Sorocaba, houve a paralisação total do transporte coletivo e de veículos fretados. Além de parte dos bancários e escolas que haviam anunciado o não funcionamento na sexta-feira, principalmente por temer problemas com transporte dos estudantes e funcionários, o que assistimos foi a uma greve no transporte coletivo que afetou muito pouco outros setores e anêmicas manifestações públicas. Sorocaba absorveu com compostura essa greve que pune os mais fracos e mais pobres, exatamente a parcela da população que um sindicato que se preze deveria proteger, e manteve seu dia de trabalho com pouca anormalidade. Nem mesmo os transportes por aplicativos tiveram aumento de tarifas por não ter havido grande aumento de demanda. Uma rápida corrida de olhos nas redes sociais nos leva à conclusão de que o movimento paredista não caiu na simpatia popular, muito pelo contrário, conforme pode ser lido nesta página. Outras impressões da população atingida, a mais frágil, estão nas páginas seguintes.

A convocação da greve geral, assinada pelas centrais sindicais, pretendia uma greve ampla, envolvendo várias categorias profissionais, mas não foi bem assim que aconteceu. Em São Paulo, a Justiça concedeu uma liminar que obrigou o funcionamento dos transportes. Com isso, trens e metrô funcionaram muito perto da normalidade e nem o rodízio de veículos foi suspenso pela Prefeitura. No ABC houve adesão dos metalúrgicos de várias empresas, sobretudo montadoras, um entusiasmo que não atingiu a mesma categoria em outras regiões, mostrando como essas lideranças síndico-partidárias não expressam mais o trabalhador.

A própria convocação da paralisação foi imprecisa. A greve teria como foco protestar contra a reforma da Previdência em análise no Congresso, um tema de interesse dos trabalhadores, mas os organizadores não apresentaram qualquer alternativa para sair do problema. Não oferecem solução plausível para o déficit da Previdência, nem para a situação precária das contas públicas. O movimento trouxe ainda outras reivindicações, algumas contraditórias, como maior geração de empregos formais, protesto contra o contingenciamento na Educação, retomada do crescimento da economia e até um desagravo contra o ministro da Justiça, Sérgio Moro. Um genuíno samba de doido.

Na cidade de Sorocaba, que tem entre os motoristas de ônibus os mais bem pagos no Estado de São Paulo, a greve se fez notar pela paralisação do sistema de transporte coletivo e de fretamento, este utilizado principalmente pelas fábricas da zona industrial. Em casos de greve nos transportes, é obrigatório que uma parcela dos ônibus circule na cidade. A Justiça do Trabalho determinou que estivessem em seus postos 70% dos trabalhadores do transporte urbano nos horários de pico e 50% nos horários ditos normais. Houve, entretanto, uma grande confusão sobre o valor da multa caso a determinação não fosse cumprida pelo sindicato. Inicialmente a multa seria de R$ 5 mil por dia ao sindicato. A Urbes apresentou recurso, que foi acatado por outro desembargador e a multa em caso de descumprimento passou a ser de R$ 5 mil por trabalhador que descumprir a ordem. Como a determinação da Justiça não foi cumprida e caso a multa venha a ser aplicada e efetivamente cobrada do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Sorocaba e Região ela deverá ultrapassar o valor de R$ 8 milhões. Ao final do dia de ontem a mesma juíza da primeira determinação reviu sua decisão e trouxe o valor para R$ 100 mil por dia. O sindicato já recebeu multas por descumprimento de determinações judiciais, mas não se tem notícia de seu pagamento.

Alguns episódios registrados em Sorocaba, entretanto, mostram que para conseguir seus objetivos de paralisar o maior número de categorias, foram encontrados instrumentos muito próximos daqueles utilizados por organizações criminosas, como “miguelitos”, que são pregos artesanalmente fabricados para furar os pneus dos veículos que passam pelo local. Dois diretores de Mobilização -- isso mesmo, de Mobilização, segundo apresentam seus diretores em seu website -- do Sindicato dos Rodoviários de Sorocaba foram detidos pela PM, por terem danificado um micro-ônibus e agido com violência contra seu motorista na avenida Dom Aguirre, durante a madrugada, conforme Boletim de Ocorrência 8197/2019 lavrado na delegacia de Polícia Civil na zona norte. Ainda segundo o mesmo BO, uma terceira diretora de Mobilização que estava no carro dos ocupantes foi devidamente registrada como investigada. No carro desses detidos foi encontrado estilingue profissional. Dois ônibus de fretamento foram queimados no Parque Vitória Régia, no início da madrugada. Em Votorantim, no mesmo horário, outro ônibus foi incendiado no Real Parque, também de empresa de fretamento. Essas ações são criminosas, típicas de gangues de marginais e precisam ser devidamente apuradas e seus responsáveis exemplarmente punidos.

A tal greve geral convocada pelas centrais sindicais conseguiu paralisar parcialmente algumas categorias profissionais. Passeatas e atos públicos organizados pelos sindicatos foram registrados em praticamente todos os Estados, mas não podem ser chamados de grandes manifestações populares. No caso de Sorocaba, mais uma vez a cidade esteve nas mãos de um sindicato que desobedece a lei, pois tem certeza da impunidade. A multa inicial de R$ 5 mil pode ter sido um estímulo a transgredir uma determinação judicial.

A greve é um direito do trabalhador garantido pela Constituição. Greves políticas, com objetivos difusos e aquecidas por paixões partidárias sempre atingem aqueles que estes senhores de pouca visão deveriam proteger.