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Glamourização de um criminoso

18 de Dezembro de 2018 às 00:01

Cesare Battisti, o italiano que na década de 1970 cometeu vários crimes em seu país de origem, entre eles quatro homicídios, está em lugar incerto no Brasil. No último dia 13, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, revogou a liminar que concedia habeas corpus a Battisti, determinou sua prisão cautelar e abriu caminho para a extradição decretada dias depois pelo presidente Michel Temer (MDB). Fugitivo há mais de 30 anos, não se sabe porque a Polícia Federal não monitorou seus movimentos a partir do momento que seu caso voltou a ser julgado no STF. Localizá-lo agora será uma operação difícil e cara, tendo em vista a experiência que ele tem com fugas. Battisti foi condenado na Itália à prisão perpétua, mas conseguiu fugir e passou temporadas no México e França até ser preso no Rio de Janeiro em 2007. Com grande respaldo de membros importantes do Partido dos Trabalhadores com quem mantinha relações de amizade, Battisti conseguiu do então ministro da Justiça, Tarso Genro, o status de refugiado político. Mesmo assim, o STF aprovou sua extradição solicitada pelo governo italiano, mas deixou a decisão para o presidente da República. No último dia de seu governo, o ex-presidente Lula negou a extradição e Battisti pôde viver livremente no país por quase uma década, inclusive com visto de permanência. A medida causou protesto do então primeiro-ministro Silvio Berlusconi e revolta na Itália, tanto entre as autoridades judiciais como entre os familiares das vítimas do fugitivo.

Battisti é fruto dos chamados “anos de chumbo” na Itália, que vai do final dos anos 1960 e chega até a década de 1980. Esse período foi marcado por conflitos entre grupos de esquerda e paramilitares de direita, apesar da forte repressão do Estado. Battisti é de uma família de comunistas e chegou a militar no PCI na juventude. Mas foi na prisão, onde cumpria pena por furto e depois por assalto a mão armada que o fugitivo conheceu e entrou para o grupo PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), um dos agrupamentos radicais que proliferaram na Itália no período. Ele foi condenado por quatro assassinatos ocorridos entre 1977 e 1979: o de um agente penitenciário, um joalheiro, um açougueiro e um agente policial. As acusações de que ele participou dos assassinatos partiu de um ex-companheiro, por meio de uma delação premiada, que teve sua pena reduzida.

Nos últimos anos, políticos italianos de esquerda, como Romano Prodi, e de extrema-direita, como e o caso do atual ministro do Interior Matteo Salvini, se mobilizam pela extradição de Battisti para que cumpra a sentença pelos crimes cometidos há quatro décadas. Os oponentes à extradição no Brasil afirmam que ele corre riscos na Itália por sua posição política, como considerou o ex-presidente Lula. Mas na Itália, muitos afirmam que essa é uma motivação fantasiosa, uma vez que desconsidera tanto a independência do Judiciário italiano, como o próprio estado democrático de direito em que o país vive. Os italianos, independente da ideologia, veem na prisão do fugitivo uma reparação para um dos períodos mais violentos da história recente do país. Nesse período foi sequestrado e assassinado o político Aldo Moro, que havia sido primeiro-ministro, pelas Brigadas Vermelhas, uma organização paramilitar de esquerda, em 1978.

O recente pedido de prisão solicitado pelo ministro Fux e a fuga de Battisti ganharam destaque na Itália e voltaram a mobilizar políticos daquele país. O ministro do Interior Matteo Salvini, um dos expoentes do atual governo, se prontificou a vir buscar o condenado caso venha a ser capturado. Dias antes havia se manifestado no Twitter sobre o caso. Disse que um condenado à prisão perpétua não pode “desfrutar a vida nas praias brasileiras”.

O governo italiano já enviou um avião ao Brasil que aguarda a extradição do criminoso para levá-lo para cumprir sua pena. O argumento de que ele cometeu crimes durante ação revolucionária, defendendo seus ideais políticos, também não se sustenta. Fosse assim, torturadores ou criminosos de guerra não poderiam ser acusados por seus crimes, assim como agentes do governo, como aconteceu na Argentina e Chile, responsáveis pelo desaparecimento de milhares de pessoas, igualmente não poderiam ser julgados.

Cesare Battisti teve direito de defesa e foi condenado por vários crimes. Embora seja bastante conveniente dar uma conotação ideológica às ações, uma tática que sempre atrai simpatizantes, ele cometeu crimes comuns. E ainda é tempo de pagar por eles.