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Fora de sintonia

28 de Maio de 2020 às 00:01

Passados 40 dias desde que a prefeita Jaqueline Coutinho (PSL) e o vereador Fernando Dini (MDB), presidente da Câmara, conversaram sobre o encaminhamento do projeto para reduzir o salário da chefe do executivo, secretários e vereadores como forma de auxiliar com recursos o combate à Covid-19, voltou à estaca zero. A iniciativa foi considerada inconstitucional pelo Jurídico do Legislativo, enquanto a Mesa Diretora da Casa, que poderia bancar a proposta, sequer elaborou um projeto de lei. Com isso, o texto sobre a redução de salários não entrou no sistema do Legislativo. Há dois projetos de lei criados por vereadores que tramitam na Câmara, mas também receberam parecer de inconstitucionalidade.

A proposta inicial da conversa entre os chefes do Executivo e o do Legislativo tratou do desconto de 20% nos vencimentos, um desconto modesto face ao que vem ocorrendo em outros municípios. O montante arrecadado por esse desconto temporário -- falou-se inicialmente em três meses -- não será muito grande. Com esse dinheiro, evidentemente, não será possível pagar a construção de um hospital de campanha, por exemplo, mas além de ser um gesto de solidariedade da classe política sorocabana para com os enfermos, poderá auxiliar na alimentação dos doentes ou na compra de alguns equipamentos, tão necessários neste momento.

E é surpreendente que o Jurídico da Câmara de Sorocaba tenha classificado a iniciativa -- sim, iniciativa, pois sequer existe um projeto de lei -- como inconstitucional. Se assim realmente for, Câmaras e assembleias legislativas de todo o País estarão em apuros dentro de pouco tempo, pois inúmeras Câmaras Municipais e Assembleias tomaram essa iniciativa e já estão colaborando com os cofres públicos de cada localidade. Alguns exemplos: a Câmara Municipal de são Paulo aprovou e já está descontando 30% dos vencimentos dos vereadores e reduziu na mesma proporção os gastos de gabinete de cada parlamentar. Em Jundiaí, município com porte semelhante ao de Sorocaba, serão reduzidos em 30% os salários do prefeito, vice, secretários e secretários adjuntos. Servidores em comissão terão redução de 10% e os vereadores e diretores daquele município também terão descontados 30% dos salários para ajudar no combate à pandemia. Haverá redução também nos salários dos servidores comissionados. Em Santos, a redução salarial atingiu o prefeito, vice-prefeito, secretários municipais e presidentes de autarquias e fundações pelos próximos três meses. E em Santo André o prefeito declarou publicamente que vai doar 50% dos seus vencimentos para o Fundo Especial de Combate ao coronavírus. O vice-prefeito e secretários aderiram voluntariamente à iniciativa. Em São Bernardo, o prefeito e sua esposa, que é deputada estadual, dizem que doarão seus salários à Central de Recebimentos do município durante o período de pandemia.

Em Sorocaba as coisas não andam. Aqui não foi criado sequer um projeto de lei para tramitação na Casa e mesmo assim a iniciativa foi considerada inconstitucional pelo setor jurídico. A proposta analisada pelos advogados do Legislativo teve por base um ofício enviado pela prefeita Jaqueline Coutinho onde ela propõe o desconto. O curioso é que dezenas de projetos, a maioria com objetivos eleitoreiros, aqueles em que o vereador, ciente da ilegalidade, insiste no projeto para “jogar para a torcida”, tramitam pela Casa e muitos são aprovados pelo plenário mesmo recebendo parecer de inconstitucionalidade. A justificativa para a não elaboração de um projeto de lei específico é que outros dois projetos, de iniciativa de vereadores, tramitam na Câmara, mas também receberam parecer de inconstitucionalidade. Importante lembrar que o parecer jurídico sobre a iniciativa da prefeita não consta no site da Câmara.

Este jornal entrevistou individualmente os vereadores sobre o tema e 17 dos 20 mostraram-se favoráveis à redução salarial. Constata-se agora que aprovam “teoricamente”, mas não movem uma palha para que a iniciativa obtenha êxito. No início deste mês, praticamente no mesmo dia em que a prefeita enviou ofício sugerindo a redução de seus vencimentos e do secretariado, cinco das mais respeitadas entidades de Sorocaba divulgaram um manifesto defendendo a ideia de que a prefeita, seus secretários, vereadores e assessores parlamentares tenham seus salários reduzidos para ajudar no enfrentamento da pandemia. O documento leva a assinatura da Associação Comercial de Sorocaba (Acso), Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Sorocaba (Aeas), Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp Sorocaba), Sindicato dos Empregados no Comércio de Sorocaba (Sincomerciários) e Sociedade Médica de Sorocaba. No documento, as entidades lembram que a sociedade e a iniciativa privada, que manteve empresas e comércios de portas fechadas, estão desde o início da pandemia oferecendo sua cota de sacrifício e esperavam, no mínimo, uma sintonia entre o poder público e a sociedade civil neste momento de extrema necessidade. Não é, infelizmente, o que estamos assistindo.