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Feira da Barganha é Acari?

27 de Dezembro de 2018 às 00:01

A Polícia Militar realizou no último domingo, com apoio da Guarda Civil Municipal e do setor de Fiscalização da Prefeitura de Sorocaba, uma operação na tradicional Feira da Barganha, realizada nas manhãs de domingo nas imediações do Horto Florestal, zona norte da cidade. O objetivo da operação, segundo a PM, era identificar materiais irregulares e produtos de crime à venda no local. Localizaram veículos, pneus, roupas e até pássaros que estavam sendo comercializados irregularmente no evento promovido pela Prefeitura. A polícia procurou produtos ilícitos enquanto a fiscalização do município buscou irregularidades naquele evento comercial que reúne milhares de pessoas.

A operação foi uma resposta da Polícia Militar a um grande número de reclamações da comunidade em virtude do comércio irregular de produtos de origem ilícita e obstrução de vias públicas, tomadas por aqueles que querem vender de maneira improvisada seus produtos. Ao final da blitz foram apreendidos produtos irregulares que estavam à venda como eletrônicos, CDs, DVDs, perfumes, cremes e ainda pneus e aves que eram comercializados de forma irregular na via pública.

Os tipos de mercadorias apreendidas e a maneira como são comercializadas mostram que, infelizmente, pouco resta da ideia original do evento. A Feira da Barganha surgiu no final dos anos 1970 como um dos projetos implantados pelo então secretário de Educação e Saúde do município, Luiz Almeida Marins Filho. A ideia de Marins, um antropólogo conhecedor das tradições sorocabanas, era proporcionar um encontro semanal entre pessoas que quisessem trocar objetos pessoais e usados, peças de artesanato e eventualmente vendê-los, como ocorre em várias cidades do mundo. No Brasil também existem em cidades com forte tradição comercial. A Feira da Barganha de Taubaté tem 150 anos.

Inicialmente a feira funcionava na praça Frei Baraúna. Como o sucesso foi grande, a praça ficou pequena para tanta gente, gerando reclamações. Foi então transferida para uma área próxima à ponte de Pinheiros de onde foi transferida para a área atual. Com exceção dos primeiros meses de existência, a feira começou a se transformar em local de vendas de produtos contrabandeados e, pior ainda, de objetos de origem duvidosa, o que desvirtuou seu objetivo.

Um decreto assinado pelo então prefeito Antonio Carlos Pannunzio, em fevereiro de 1992, criou um regulamento para o funcionamento da feira. Nesse decreto estão previstos, entre outros itens, um número máximo de participantes, tamanho das barracas, a necessidade de licença para os barganhistas e a proibição expressa da venda de mercadorias novas de qualquer espécie ou resultado de contrabando. O prefeito José Crespo criou também por decreto, no mês de setembro deste ano, uma Câmara Técnica com o objetivo de reestruturar a feira.

A Feira da Barganha cresceu muito nos últimos anos e quem a conhece sabe que ali se encontra de tudo, desde equipamentos e acessórios de automóveis altamente suspeitos até produtos contrabandeados do Paraguai. É evidente que a maioria dos barganheiros trabalha honestamente, mas é uma pena que a feira criada para troca ou venda de objetos usados tenha se transformado tanto. Pelo número de pessoas que atrai e pelo volume do comércio ali realizado, também despertou o interesse de políticos que perceberam seu potencial eleitoral.

Ainda não se sabe exatamente que mudanças a Prefeitura pretende introduzir, mas está correta a Polícia Militar em realizar blitz como a do último domingo. Se não houver uma fiscalização rígida e o controle do que é vendido no local, corremos o risco de ver a feira se transformar em uma espécie de Feira de Acari, também conhecida como “Robauto”, realizada na zona norte do Rio de Janeiro, que começou com a venda de peças de automóveis roubados e nos últimos anos oferece toda sorte de produtos de origem duvidosa, sem ser importunada pelo poder público. Há fortes suspeitas de que o local sirva para venda de cargas roubadas por facções criminosas e os consumidores, sem saber, saem de lá envolvidos no crime de receptação. Além da atuação da PM, fiscalização da Prefeitura e GCM, a Polícia Civil precisa realizar um trabalho sério de investigação com relação a mercadorias vendidas no local e que são suspeitas de ser produto de furto. A feira também não pode se transformar em palanque para políticos sem grandes compromissos com a ética. Somente uma fiscalização rigorosa e constante poderá garantir a sobrevivência da feira, fonte de renda de pessoas que trabalham honestamente no evento.