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Erros grosseiros

04 de Junho de 2020 às 00:01

Assim que foi identificada a presença do novo coronavírus em território nacional, as autoridades sanitárias iniciaram uma série de estudos para o enfrentamento da pandemia. Uma das primeiras medidas foi planejar o distanciamento social, estratégia adotada em todos os países afetados, uma vez que não há medicamento adequado para a Covid-19 e estamos longe de ter uma vacina contra a doença.

O Brasil tem suas particularidades e entre elas está o gigantesco número de trabalhadores informais, aqueles que não têm qualquer vínculo empregatício, muitas vezes nem documentos pessoais, e que vivem há anos do comércio informal nas ruas ou da prestação de serviços. Calcula-se que existem no Brasil mais de 35 milhões de pessoas nessas condições, inclusive um número muito grande de mulheres que são chefes de família.

Os informais, os ambulantes e os pequenos prestadores de serviço não têm qualquer proteção social e foram os primeiros prejudicados durante a quarentena. Foi para eles e pessoas desassistidas que foi criado o programa de auxílio emergencial do governo federal. A implantação já foi demorada, pois passou pelo Congresso, sofreu alterações, até que o governo federal bateu o martelo ao fixar o auxílio em três pagamentos de R$ 600 para que parte da população tivesse ao menos alguma renda durante o período de isolamento social.

O programa teve problemas na fase de credenciamento, pois muitos trabalhadores informais não têm conta em banco, não têm CPF e boa parte deles sequer tem documentos pessoais. O cadastramento pela internet criou outra barreira para as pessoas mais simples que não têm habilidade sequer para utilizar um caixa eletrônico, quanto mais preencher um cadastro on-line.

Como o programa emergencial de auxílio à população mostrou-se bastante falho logo no princípio, permitindo o cadastro de pessoas que não fazem parte do público alvo, percebeu-se que ele deixou de fora muitos necessitados, como mostraram dezenas de reportagens. E assim que a primeira parcela começou a ser paga, começaram a aparecer as primeiras irregularidades.

De acordo com denúncia do jornal O Estado de São Paulo, mais de 73 mil militares ativos, inativos, de carreira, temporários e pensionistas se cadastraram no programa e receberam o auxílio, o que foi alvo de críticas severas dos comandantes da Força e do próprio presidente Bolsonaro.

Na última semana de maio, a Controladoria-Geral da União (CGU) divulgou que havia identificado mais de 160 mil possíveis fraudes no recebimento do auxílio emergencial. Segundo o órgão, cruzando dados, percebeu-se que as irregularidades envolviam proprietários de veículos caros, donos de embarcações e pessoas que doaram até R$ 10 mil nas últimas eleições.

Na ocasião, o órgão prometeu divulgar a lista dos cadastrados no programa, para que a própria população pudesse fiscalizar. Segundo ainda a CGU, mais de 27 mil foragidos da Justiça tiveram o auxílio emergencial aprovado pela Caixa. Além de criminosos a CGU identificou golpistas que receberam o dinheiro utilizando dados de pessoas que já morreram. Usando o cadastro dos beneficiados, jornalistas de um programa dominical de televisão fizeram um levantamento e constataram que muitos foragidos da Justiça receberam o benefício. Segundo esse levantamento, 11 dos 22 criminosos mais procurados do País tiveram os recursos do auxílio emergencial liberados.

Nesta quarta-feira (3), dando prosseguimento ao pente fino realizado na operação do auxílio emergencial, o Tribunal de Contas da União alertou para o risco de 8,1 milhões de brasileiros terem recebido indevidamente esse auxílio, ao mesmo tempo em que 2,3 milhões de cidadãos que estão no Cadastro Único de programas sociais podem ter sido excluídos, mesmo tendo direito ao benefício.

Os técnicos do TCU usaram dados de 2019 da Pnad Contínua, pesquisa do IBGE e que traz informações detalhadas sobre renda, emprego e composição familiar, para calcular quantos brasileiros estariam entre aqueles que deveriam receber os R$ 600. Pelas contas dos auditores, 21,2 milhões de pessoas deveriam receber a ajuda federal. O número de concessões, entretanto, foi bem maior, atingindo 29,3 milhões, o que pode gerar o pagamento indevido de R$ 3,6 bilhões.

O que se vê, nesse caso, é uma política correta de auxílio do governo federal, para socorrer os mais necessitados, sendo distorcida. Parte dos recursos do programa estão se perdendo no meio do caminho por conta de um sistema frágil, que pode ser burlado e beneficiar indevidamente milhões de pessoas. Como o auxílio poderá ser ampliado para até cinco parcelas, urge que mecanismos de controle sejam adotados o mais rápido possível para evitar mais problemas daqui para frente.