Entretenimento ou show de horrores?
Baseado em franquia que já fazia sucesso em outras partes do mundo, o Big Brother Brasil estreou na televisão brasileira em janeiro de 2002.
Para quem passou os últimos anos distante do planeta Terra, trata-se de um programa no qual os competidores ficam confinados em uma casa cenográfica, sendo vigiados por câmeras 24 horas por dia, não podendo se comunicar nem ter nenhuma informação do mundo exterior.
Considerado um produto de grande sucesso de audiência e comercial, o BBB -- como ficou conhecido por aqui -- sempre teve tratamento especial desde que pintou na telinha da Globo.
Tanto que, por 15 longos anos, foi ancorado por ninguém menos do que Pedro Bial, jornalista do primeiro escalão da emissora.
Chegava até a ser curiosa a interação do intelectual Bial com anônimos de todos os tipos e formações.
Independentemente de seu caráter superficial e gosto duvidoso, durante vários anos o programa cumpriu seu objetivo: ser meramente um entretenimento aos telespectadores, explorando as relações entre os participantes, fossem elas brigas, amizades, amores, surtos etc.
Basicamente é o que acontece quando se juntam 20 pessoas confinadas no mesmo ambiente e constantemente provocadas por meio de jogos, disputas, privações e confissões, entre outros “recursos”.
Em 2017, o programa trocou de apresentador. Bial deu lugar à jovem promessa Tiago Leifert. Mais recentemente, uma alteração significativa mudou um pouco o conceito do BBB.
Em vez de formado apenas por anônimos, o elenco passou a ter dois grupos de pessoas: aquelas consideradas famosas e os desconhecidos.
O motivo era “atualizar” o programa, aproximando-o das redes sociais -- para o bem e para o mal -- e buscando o engajamento dos milhões de seguidores que habitam esses ambientes.
Foi o que aconteceu. Os “famosos”, muitos deles mais para subcelebridades, cumpriam seu papel de grandes influenciadores de audiência.
No ano passado, por exemplo, com as medidas restritivas impostas pela pandemia e o confinamento das pessoas em casa, a audiência do programa explodiu.
O Brasil inteiro acompanhou a saga de personagens como Thelma Assis, Manu Gavassi, Babu Santana, Felipe Prior & cia. Mas então o BBB e seu chefe maior, Boninho, caíram numa tremenda cilada.
Primeiramente, propuseram-se a montar o elenco mais equilibrado em termos de raça, gênero e afins de todas as edições feitas na história do programa no país. Até aí, tudo bem, algo válido e justificável.
Porém, na ânsia de querer polemizar em busca daquela audiência a qualquer custo e sem pudores, o BBB formou uma das piores concentrações de personagens por metro quadrado do Brasil.
Mirando a aprovação e o delírio da lacrolândia, aquela turma festiva que tem opinião sobre tudo -- e sempre certa -- nas redes sociais, a Globo selecionou pessoas teoricamente engajadas em causas nobres como racismo, machismo e outros ismos que viraram moda no Brasil.
O que a emissora toda poderosa esqueceu é que nós não somos o que dizemos, mas sim o que fazemos. E ignorou outro detalhe. Nem todo branco é racista, nem todo negro é antirracista, nem todo hétero é homofóbico, nem toda minoria é gente boa e por aí vai.
O resultado é o que se vê diariamente na casa do BBB atual: um show de horrores, com cenas absurdas de abusos morais, físicos e psicológicos.
E, pasmem, perpetrados justamente por aqueles que supostamente deveriam respeitar e dar exemplo de comportamento e ação. A turma que deveria mostrar empatia e sororidade foi a primeira a atacar o próximo de modo feroz e ultrajante.
O programa passou a expor a hipocrisia e falsidade de uma turma de militantes adeptos do “faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço”.
Dizem-se parte desses movimentos, são porta-vozes dos discursos, mas, na prática, agem igual ou pior do que as pessoas que cobram e criticam.
Pegos desprevenidos -- pois ainda acreditavam na historinha do bem contra o mal --, muitos telespectadores ficaram estarrecidos ao ver que as minorias também praticam preconceito, xenofobia e bullying.
Aí é que está o xis da questão. Não se trata de brancos, negros, azuis ou amarelos. Quem pratica atitudes vexatórias e lamentáveis são os seres humanos. Nada disso depende de cor, gênero, orientação sexual ou qualquer outra coisa. Não é porque alguém tem a cor X, o sexo Y ou o engajamento Z que essa pessoa está acima do bem ou do mal.
A consequência de tudo isso é que a atual edição do programa tem batido recorde atrás de recorde de avaliações negativas e comentários desabonadores em todas as plataformas.
São várias as análises sociais feitas a partir da exposição estarrecedora das atitudes dos confinados. Uma delas diz que os participantes do programa nos trazem o retrato de uma sociedade completamente adoecida. Pode ser. Mas também pode ser que a sociedade esteja adoecida justamente por dar tanta atenção a um programa como esse.