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Efeitos colaterais

05 de Abril de 2020 às 00:01

A quarentena provocada pelo coronavírus é um fato inédito na história recente. Como já foi comentado aqui neste espaço, levantamento de uma agência de notícias mostra que metade da população do planeta, 3,9 bilhões de pessoas, foram convidadas ou forçadas a ficar em casa para diminuir a velocidade da disseminação do vírus. Essa freada nas atividades humanas traz inúmeras consequências além de diminuir a curva de propagação da doença. A principal delas está relacionada à brusca paralisação da atividade econômica, o que afeta a todos. Mas o recolhimento forçado ou voluntário tem mostrado que há vários aspectos positivos e revelam que está ao alcance do homem, com algum esforço, evidentemente, melhorar as relações humanas e o planeta como um todo.

O isolamento fez com que filhos se preocupassem mais com os pais, netos com os avós em uma inversão de valores repleta de afeto. Levou também vizinhos a se preocuparem com quem mora na porta ao lado, criando elos de uma saudável corrente fraterna. O isolamento de bilhões de seres humanos, recolhidos em suas casas, propiciou também efeitos altamente benéficos para o planeta, tão desgastado pela exploração desordenada de suas riquezas, pela produção em massa e queima de combustíveis fósseis.

Os efeitos da quarentena foram praticamente imediatos. O governo da Índia, por exemplo, determinou o confinamento obrigatório de todos os seus 1,3 bilhão de habitantes. Sete dias depois, os níveis de poluição baixaram drasticamente. A Índia, como se sabe, é um dos países mais poluídos do mundo e onde mais se sente os efeitos da poluição atmosférica. No ano passado, 21 das 30 cidades mais poluídas do mundo eram indianas. Em novembro de 2019 foi declarada emergência de saúde pública devido aos perigosos níveis de poluição em Nova Delhi. Uma notícia importante para um país que convive há anos com altos índices de poluição atmosférica e por esse motivo tem uma população potencialmente mais vulnerável à pandemia devido aos problemas respiratórios causados pela poluição. A ausência de turistas provocada pelas medidas de restrição adotadas pela Itália, até os famosos canais de Veneza, geralmente escuros, voltaram a ter água clara e transparente e a poluição atmosférica também caiu bastante.

A maior cidade brasileira, São Paulo, além de sua pujança econômica também é conhecida pelos seus altos índices de poluição. Com uma semana de quarentena, que teve início no dia 24 de março, os índices de poluição atmosférica caíram pela metade, de acordo com comparativo de dados atmosféricos divulgado pela Cetesb. Há menos poluentes primários na atmosfera, como o monóxido de carbono emitido principalmente pelos carros e óxido de nitrogênio, emitido por veículos a diesel. Além da redução significativa dos poluentes primários, que estão relacionados à emissão veicular, houve diminuição de 30% de material particulado inalável, resultado do tráfego de veículos que ressuspendem a poeira do solo e material formado a partir da queima de combustível. Há menos ruído, menos poluição causada pela queda da circulação de veículos e o céu ficou mais azul, resultado de número menor de partículas em suspensão.

O litoral brasileiro também foi beneficiado com a ausência de banhistas. As praias estão mais limpas em praticamente toda a costa e um fenômeno tem chamado a atenção dos especialistas: em várias localidades está sendo registrado o nascimento de tartarugas de várias espécies. Pernambuco é um exemplo. Este período de isolamento que deixou as praias vazias permitiu que dezenas de tartarugas-de-pente nascessem no litoral da cidade de Paulista, Pernambuco, um habitat perfeito para esses animais. Sem a presença de turistas, a eclosão dos ovos e o primeiro contato das tartarugas com a água foi presenciado somente pelos técnicos do Núcleo de sustentabilidade Urbana daquele município.

Em Sorocaba, com menos carros nas ruas e a consequente menor queima de combustíveis, houve sensível melhora na qualidade do ar. A Cetesb ainda não conseguiu calcular essa melhora, uma vez que depende também de condições meteorológicas de dispersão de poluentes, o que só será possível em um período maior para uma análise conclusiva, mas a população percebe que o ar está mais limpo.

Essas mudanças na qualidade de vida no planeta provocadas por um período adverso mostram que é possível baixar índices de poluição em suas várias formas. A quarentena forçada está trazendo também lições que serão úteis para os especialistas em meio ambiente estudarem medidas que possam ser aplicadas quando a pandemia passar.