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Editorial: Olha o trem

19 de Agosto de 2018 às 13:57

“Ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem. Ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho éon. Ói, já é vem, fumegando, apitando, chamando os que sabem do trem. Ói, é o trem, não precisa passagem nem mesmo bagagem no trem.” (Raul Seixas)

O trem faz parte da história dos povos. Qualquer romance ou livro escolar que viaje para o começo do século passado e lá está o trem a levar um grande número de pessoas, uma grande quantidade de carga, mercadoria, riquezas. Desbravando sertões, cerrados, campos e montanhas, o trem abriu o progresso. Villa-Lobos eternizou o Trenzinho do Caipira.

Sorocaba com sua estrada de ferro, que por mais que uma coincidência era a Sorocabana, tem esse transporte ligado intimamente à sua história e geografia. A estrada de ferro corta a cidade em vários locais importantes com viadutos baixos e antigos. Sólidos, espera-se, mas que não permitem a passagem de veículos de maior altura. Em outros pontos, viadutos extremamente estreitos não ajudam em nada a circulação de ônibus ou mesmo veículos menores.

Sorocaba ainda reparte seus bairros em Além-Linha, Além-Ponte, e quase sem perceber, pela maneira como conseguiu se adaptar aos descaminhos da estrada de ferro, hoje subutilizada. Muito subutilizada. E, também, com apitos sem qualquer pudor de acordar a vizinhança, na melhor hora da madrugada, no finalzinho do sono. Romântico diriam uns. Não para aqueles que moram nas imediações e tem um trem de madrugada que poderia circular outras horas mais tarde a apitar acima de qualquer decibel aceitável.

A estrada de ferro, com pouquíssima utilização, privatizada para interesses de transporte de carga apenas, é objeto de dois assuntos na edição deste domingo. O interesse do Ministério Público Federal em saber porque as empresas que foram beneficiadas com essa privatização ou seja, extensas faixas de terra e imóveis não estão beneficiando a população, também objeto da população. Há anos se fala num trem especial de passageiros que poderia atingir São Paulo de maneira rápida; parece que existem países que fazem algo semelhante no Velho Continente, poupando horas de congestionamento e estresse para aqueles que têm que ir a capital ou vir de lá. Alguns técnicos alegam que a bitola (largura dos trilhos) da velha Sorocabana não permitiria novas composições. Se assim for, porque não se trabalha na construção de um nova bitola? Afinal o mais caro, o mais difícil de conseguir, já está feito há século, que é exatamente o leito, a área por onde passa o trem. Sem necessidade de desapropriações, está tudo pronto. Seria uma questão de prioridades para empresa que gerencia as áreas que cortam o estado de São Paulo?

Outro ponto de interesse do Cruzeiro do Sul nesta manhã é a criação do VLT, Veículo Leve sobre Trilhos, que em outras épocas e outros lugares já foi conhecido como Litorina, como a que descia de Curitiba para Paranaguá, hoje até Morretes, no Paraná, que a Prefeitura pretende abrir concorrência novamente para o transporte de passageiros, usando os trilhos da velha Sorocabana, possivelmente de Iperó a Sorocaba. O que isso pode gerar de facilidade na região é algo a ser descoberto.

E... e um grande e -- lembrando de outro assunto noticiado pelo jornal em edições recentes -- existe uma ferrovia toda pronta, que liga dois polos importantes, comerciais, que com pequenas adaptações pode ajudar em muito o transporte de passageiros e não apenas de turismo como pretendem nos fazer crer. A velha estrada de ferro que vai a Votorantim poderia transportar passageiros sem grandes problemas, ou melhor, apenas com vantagens. O mesmo trem que vai e volta, pode fazer o trajeto em meia hora transportando em dois ou três vagões, uma quantidade considerável de passageiros que de outra forma estariam sendo levados por ônibus ou automóveis entre as duas cidades. Os pontos de cruzamentos com vias públicas seriam rápidos e bastante escassos, em número muito menor que os cruzamentos com semáforos na cidade. O embarque/desembarque em estações não necessitaria de construções além de plataformas de desembarque como acontece muito do outro lado do Atlântico, um pouco mais ao norte. E, atente para isso, ecologicamente mais responsável.

Não seria puxado com a velha maria-fumaça. Uma composição moderna, como um VLT, poderia ser incluída nesse trajeto. Técnicos para isso existem. Possibilidade para isso existe. Investimento baixo e acima de tudo um compromisso com a história, com o meio ambiente, com o conforto dos passageiros, com rapidez de um transporte que ainda preservamos.