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Editorial: Em segundo plano

04 de Agosto de 2018 às 10:28

Enquanto a atenção dos brasileiros está voltada para os acertos finais das chapas para as próximas eleições, com os conchavos, rasteiras e traições de praxe, o Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a principal agência de fomento à pesquisa no País, emitiu um sinal de socorro na última quinta-feira. Por meio de nota, alertou o governo federal sobre o risco de o teto de gastos públicos inviabilizar boa parte do trabalho daquela agência, prejudicar milhares de pesquisadores, bolsistas de programas de formação de professores.

Segundo o documento do Conselho Superior da agência, assinado pelo seu presidente Abilio Batea Neves, o teto limitando o orçamento de 2019 fixa um patamar muito inferior ao necessário para manter todas as linhas de atuação de entidade. Não é de hoje que o Capes vem sofrendo com cortes em seu orçamento. As reduções começaram em 2015, quando o seu orçamento era de R$ 7,7 bilhões. Este ano chegou a R$ 3,94 bilhões. Com o novo limite de gastos, a previsão é que será reduzido para R$ 3,3 bilhões no ano que vem.

O Brasil investe muito pouco em pesquisa e a maior parte dos trabalhos é feita nas universidades com financiamento do Capes. O corte dos recursos destinados à agência afetará 93 mil mestrandos, doutorando e pós-doutorandos e 105 mil bolsistas de programa de formação de professores que estão com o benefício ameaçado. Para a presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, esse é o desmonte definitivo da ciência brasileira. Para ela, corremos o risco de perder todo trabalho feito nos últimos 30 anos. Além disso, trará prejuízo à continuidade dos programas de cooperação com o exterior.

O corte no orçamento não afetará somente pesquisas científicas em curso, mas como alertam especialistas, afetará também a educação básica do País, do ensino infantil ao ensino médio, uma vez que as 105 mil bolsas que correm o risco de ser suspensas estão no Programa de Iniciação à Docência, Programa de Residência Pedagógica e Programa Nacional de Professores de Educação Básica (Parfor). Todos eles apresentados pelo Ministério da Educação como iniciativas importantes para a melhoria da qualidade da educação brasileira.

O corte também afetará e poderá levar à interrupção a Universidade Aberta do Brasil (UAB), um dos principais programas de formação de professores do governo federal que tem hoje mais de 245 mil beneficiários entre alunos e professores. Os cursos de pós-graduação a distância da UAB atendem mais de 200 mil alunos, a grande maioria já atuando na educação básica.

Ninguém duvida da importância de investimentos em pesquisas científicas e novas tecnologias. Esses avanços aliados a programas educacionais eficientes têm promovido o progresso acelerado em vários países. A Coreia do Sul é o exemplo mais conhecido de progresso conseguido por conta de investimentos pesados em educação. De país periférico exportador de matérias-primas, aproveitou seus recursos, investiu pesadamente e hoje é um polo de novas tecnologias e indústria sofisticada.

O Brasil, com exceção de algumas ilhas de excelência, patina na pesquisa científica e vai de mal a pior na educação básica, fruto de medidas como essa que se avolumam ao longo dos anos. Para dar apenas um exemplo, basta lembrar a posição o nosso desempenho no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), realizado a cada três anos para avaliar o desempenho escolar de diversos países em três quesitos principais: matemática, ciências e leitura.

Na última edição, realizada em 2015 com resultados divulgados no final de 2016, participaram 70 países. Pois bem, o Brasil ficou entre os dez últimos no ranking das ciências (63º lugar) e matemática (65º). Em leitura ficamos na modestíssima 59ª posição. Mais de 23 mil alunos brasileiros foram avaliados. São dados alarmantes e, ao que tudo indica, incapazes se sensibilizar nossos governantes. Somente na primeira semana de julho, o governo federal acelerou a liberação de verba do Orçamento para emendas dos parlamentares. Foram R$ 5,8 bilhões em uma semana de ano eleitoral. Mais que o total do ano passado inteiro (R$ 4,92 bilhões). Total e descabida inversão de prioridades.