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Editorial: Elefantes brancos

31 de Julho de 2018 às 11:08

O Brasil oferece um atendimento abaixo do desejável na área da saúde para sua população, principalmente àquela que depende de atendimento gratuito por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), um sistema de universalização do atendimento criado a partir da Constituição de 1988. Inspirado no National Health Service britânico, o SUS foi criado para atender desde casos simples e corriqueiros como avaliação de pressão arterial até o transplante de órgãos, garantindo, ao menos teoricamente, acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país.

Apesar da necessidade de unidades de saúde pública espalhadas pelo país para dar capilaridade para o SUS, percebe-se, de uns tempos a esta parte, que muitas instalações, entre Unidades Básicas de Saúde (UBSs), a porta de entrada do sistema, e as Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs), unidades intermediárias e que oferecem atendimento mais complexo, estão abandonadas ou fechadas ao atendimento público. Reportagem publicada pelo Cruzeiro do Sul na edição do último domingo (Região tem unidades de saúde inacabadas, 29/7, págs. A6 e A7) do jornalista Marcel Scinocca, mostra uma triste realidade da Região Metropolitana de Sorocaba, onde há uma grande quantidade de obras voltadas para o atendimento na área da saúde pública que até agora não beneficiam a população. A reportagem visitou cinco municípios e encontrou, em alguns locais, obras paradas e até abandonadas. Achou ainda obras que estão fora do cronograma de entrega ou que estão concluídas, mas que não atendem ninguém.

Em Iperó, uma UBS, que está sendo construída no bairro de George Oeterer, deveria ter sido entregue em 2015, mas ficou parada por muito tempo e ainda não está em condições de funcionar. Em Araçoiaba da Serra, outra UBS não foi concluída.

Em Votorantim, há o caso clássico das duas Unidades de Pronto-Atendimento que foram concluídas, mas nunca entraram em funcionamento e a construção, ainda não terminada, de um posto do Programa Saúde da Família, no Jardim Tatiana. A construção deveria ter sido concluída em 2016. Em São Roque, há duas obras inacabadas de UBSs nos bairros Guaçu e Taboão, ambas com prazo previsto de entrega para 2016. E em Itu, moradores aguardam a conclusão da UBS da Vila Dona Tonica. Em Sorocaba, a UBS de Lopes de Oliveira, na zona norte, foi reformada, mas não voltou a funcionar. Segundo a Secretaria de Saúde do município, a UBS só será reaberta assim que o déficit de funcionários seja suprido com o projeto de reestruturação da saúde.

A maioria dessas obras, tanto de UBSs como de UPAs, é resultado de convênios entre prefeituras e o Ministério da Saúde. De acordo com o próprio ministério, existem hoje 145 UPAs 24h já concluídas, mas que não entraram em funcionamento e 964 Unidades Básicas de Saúde prontas, mas que nunca receberam um paciente. É uma falta de planejamento, na melhor das hipóteses, gigantesca, incompreensível em um país carente de atendimento médico como o nosso.

Essa onda de construções de unidades de saúde Brasil afora começou em 2008, durante o segundo governo do ex-presidente Lula. O MS determinou que fossem repassadas verbas para os municípios interessados, mas exclusiva para a construção de novas unidades, ou seja, os prefeitos não tinham a opção de utilizar esse recurso com algo considerado mais urgente na saúde, como a ampliação de uma unidade já existente. Foram construídas então centenas de UBSs e UPAs, algumas em cidades que nem precisavam ou em municípios em que as prefeituras não tinham como custeá-las.

Segundo declaração de Mauro Junqueira, presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), no ano passado, fazer obra é fácil, o problema é manter o serviço funcionando todo mês. O próprio MS reconheceu no ano passado que houve falha de planejamento, pois grande parte das prefeituras não tem como cumprir a contrapartida da parceria, que é equipar e contratar funcionários para as unidades. Um equívoco grotesco que delapidou os cofres do governo, espalhou elefantes brancos pelo País e manteve a população com atendimento deficitário.