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Cidade prejudicada

11 de Agosto de 2019 às 00:01

O Tribunal de Contas do Estado (TCE) divulgou nesta semana um relatório que mapeia as obras paralisadas e atrasadas em território paulista, conforme reportagem publicada pelo Cruzeiro do Sul na edição de sexta-feira. A simples verificação do levantamento provoca reações que podem variar do horror à indignação como protesto silencioso.

Segundo o TCE, o Estado de São Paulo -- Capital e municípios -- possui mais de 1.500 obras paralisadas e atrasadas. E os números apontam que o montante de recursos públicos envolvidos, entre as obras de competência do Estado e dos municípios, ultrapassa o valor de R$ 49 bilhões. Um enorme prejuízo.

Para o município de Sorocaba, o relatório do TCE relaciona a existência de quatro obras paralisadas e uma obra atrasada. Das quatro obras paralisadas, duas são de responsabilidade do governo de São Paulo e outras duas são classificadas na esfera da administração municipal. A obra atrasada, listada no relatório do TCE, também está no âmbito do município. Somados, os valores das cinco obras totalizam quase R$ 2,5 milhões.

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Entre as citadas obras paradas de Sorocaba constam a reforma e restauro de dois patrimônios da cidade, que são os prédios do edifício Palacete Scarpa, com valor inicial do contrato de R$ 457.681,82, e da antiga Oficina Cultural Grande Otelo, cujo valor inicial de contrato foi de R$ 1.550.450,39. As outras obras versam sobre a nova sede do Comando de Operações da Polícia Militar (Copom), a Casa do Turista e uma unidade de energia e distribuição do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae).

Esse tipo de notícia não passa despercebido pelos cidadãos. Ninguém resiste ou fica indiferente. E é justamente esse o efeito produzido pelo conhecimento de que recursos superiores a R$ 49 bilhões dizem respeito a investimentos em obras paradas ou atrasadas em solo paulista. E há mais casos como mostra reportagem na edição de hoje (página 7) sobre obras em atrativos turísticos que estão paradas ou atrasadas em Sorocaba e mais quatro cidades.

A eventual inércia dos agentes públicos diante desse quadro poderá estimular teorias em torno da existência de obras que, na contramão dos ideais humanistas, são pensadas visando apenas ao calendário eleitoral. No século 18, o pensador francês Alexis de Tocqueville denunciou o fenômeno da atuação política com o foco somente na reeleição do agente público. A teoria das obras eleitoreiras serviu de alerta às sociedades, mas poucos aprenderam a lição. Tanto no tempo de Tocqueville como na atualidade, a marca da insensibilidade continua a ser um dos componentes da política, ainda que na vigência de regimes democráticos.

Certamente, tomando-se por base conceitos de razoabilidade, os projetos das obras tiveram origem em necessidades de demandas identificadas em gestões e políticas públicas. Foram planejados para melhorar a vida das pessoas. Uma vez prejudicados com paralisações e atrasos, a finalidade pública dos projetos deixa de ser atendida e em consequência são os cidadãos que sofrem os efeitos dessa carência.

Pior ainda, obra parada é sinônimo de desperdício do dinheiro público. Isso agrava o problema a tal ponto que gera duplicidade de prejuízos numa equação composta de falta de atendimento por inconclusão da obra e aplicação de recursos que poderiam ser utilizados em outras demandas de áreas tão prioritárias como saúde e educação, por exemplo.

Numa sociedade como a brasileira, envolta em crise econômica que perdura por mais tempo do que o previsto, torna-se inaceitável admitir somente como balanço de números e valores um mapeamento de tal importância como o divulgado pelo Tribunal de Contas. Os agentes políticos representados pelos municípios e o Estado -- incluindo-se Prefeituras, Câmaras de Vereadores, Assembleia Legislativa, governo estadual -- têm a obrigação de esclarecer as razões do quadro de calamidade das obras paralisadas e atrasadas.

Esclarecer -- entenda-se -- não somente para obter outro mapeamento, mas também para responsabilizar quem cometeu erros que geraram o descalabro. E esclarecer para reduzir o tamanho do problema e evitar que novas ocorrências dessa natureza simbolizem sucessivos despropósitos para o cidadão.