É hora de cortar para ajudar mais
O que estava pintando no horizonte apareceu: a discussão sobre o retorno ou não do auxílio emergencial. O assunto tomou conta das manchetes políticas e econômicas nas últimas horas. Trata-se de uma questão inevitável por conta de uma conjunção de fatores.
Primeiramente, a pandemia não dá trégua, pelo contrário. Pouco antes de completar um ano de sua chegada ao Brasil, o novo coronavírus, infelizmente, segue presente, agora embalado por uma segunda onda que atinge praticamente todos os países.
Para piorar, ele já tem novas variantes, como era de se esperar, inclusive. Algumas dessas cepas, lamentavelmente, até com maior poder de propagação. O resultado é o que vemos por aí: aumento do número de casos, de vítimas, e uma maior pressão nos sistemas de saúde.
Outro ponto importante dessa discussão são as vacinas. Não que elas estejam mais atrasadas do que o previsto. Na verdade, os institutos de pesquisa clínica e científica correram contra o tempo e estão conseguindo entregar imunizantes em tempo recorde.
A questão é que não há vacinas suficientes para imunizar toda a população do planeta em um curto período de tempo. É muita gente para pouca vacina, o que atrasa todo o processo de retorno à normalidade.
E daí acontece também a junção entre saúde e economia. Pandemia forte significa a necessidade de medidas restritivas. Medidas restritivas significam impacto enorme na atividade econômica. Menos atividade econômica significa desemprego. E por aí vai até chegarmos às pessoas passando fome. É uma equação terrível, mas praticamente inevitável nesse cenário vivido atualmente.
Para termos uma ideia da complexidade, uma recente pesquisa publicada pelo Datafolha mostrou que 69% dos brasileiros que receberam o auxílio emergencial durante os últimos meses não conseguiram encontrar outra fonte de renda capaz de substituir o benefício financeiro. Ou seja, praticamente sete em cada dez beneficiários dependem única e exclusivamente de algum tipo de ajuda.
Quando o auxílio emergencial foi implantado pelo governo federal, em meados de 2020, ninguém imaginava que cerca de oito meses depois ainda estaríamos patinando tanto por conta da pandemia.
Agora, a pressão pela volta do auxílio está se formando. E ela é grande. Secretários de Fazenda de 18 estados enviaram uma carta aos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pedindo a retomada da ajuda.
Além de toda a questão econômica, pesa também o cenário político. Ao se juntar dificuldade econômica com frustração pela demora das vacinas, está formada uma nova equação: aquela que tem como resultado a insatisfação popular. A prova disso é que a aprovação dos governantes, sejam eles quais forem -- independentemente de partido, religião, gênero ou cor -- está caindo pelas tabelas nas pesquisas de opinião. E o temor de que isso piore ainda mais pode ajudar na decisão.
Mas não é uma decisão nada fácil. Basta ver a dinheirama necessária para o auxílio. De acordo com o Painel Cidadão do Siga Brasil, ferramenta para acompanhar a execução do orçamento brasileiro, o governo federal já pagou até o momento R$ 544,41 bilhões em despesas ligadas diretamente ao combate ao coronavírus e às consequências sociais e econômicas causadas pela pandemia.
Desse total, quase a metade foi destinada somente para pagar o auxílio emergencial para mais de 60 milhões de pessoas: R$ 239,41 bilhões. E muitos dos outros gastos também estão relacionados com o tema, como por exemplo R$ 35,02 bilhões para o programa de benefício emergencial da manutenção do emprego e da renda.
Diante de tal cenário, o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, já admite uma possível volta do benefício. Mas de antemão alerta que a condição necessária seria travar recursos para outras áreas.
O que ele não falou, mas é uma constação de todos: é nessas horas que lamentamos o desperdício e os gastos exagerados em todos os poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário. Por que não passar um pente fino nos supersalários? Por que não revisar as superaposentadorias, ou mesmo as aposentadorias integrais após pouco tempo de serviços prestados. Um pente fino em todas as esferas do poder ajudaria sobremaneira a encontrar dinheiro para esse auxílio.
Afinal, é preciso encontrar um caminho para socorrer essa camada social muito atingida pela economia. Obviamente, é preciso observar ajuste fiscal e teto de gastos públicos. Não se pode gastar o que não tem. Mas, por outro lado, há uma situação de necessidade muito grave de pessoas que precisam de amparo do Estado. Esse é o maior desafio que nossos governantes têm nesse momento -- além da viabilização da vacina e de um plano eficiente de imunização.
E por mais que tenhamos uma consequência negativa, com o aumento do endividamento, há um efeito positivo -- além do aspecto humano, claro. O auxílio emergencial também injeta na economia um volume de dinheiro capaz de animar e esquentar o mercado. Em períodos de guerra -- que é o que estamos vivendo atualmente -- é comum que haja estímulos desse tipo para, ao menos, suavizar o impacto na economia. Isso até que a rotina possa ser retomada.