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Confira o editorial: 'E de repente esse ministro'

20 de Dezembro de 2018 às 08:52

Possivelmente o pior resultado que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, poderia provocar com sua infeliz decisão monocrática de liberar todos os condenados e julgados em segunda instância não seria apenas a absurda possibilidade de libertar acima de 150 mil presos de todos os tipos: criminosos comuns e de alta periculosidade como sequestradores, traficantes que matam e mandam matar, autores de feminicídio, estupradores de crianças, assassinos psicopatas, assaltantes de bancos. E alguns criminosos do colarinho branco, hoje puídos pelo uso no cárcere. O pior resultado que esse senhor do Rio, como um surfista sem consequências poderia causar, seria mexer com a estabilidade política do País que, a muito custo estamos conseguindo manter. A decisão que durou algumas horas na tarde e começo de noite de ontem (19), simplesmente dava uma banana a decisões prévias do Supremo, e ouvindo apenas a empáfia de sua voz e de seus achismos, queria que o País se explodisse. Um juiz do Supremo surdo e cego ao que passa ao seu lado, ou a que se passa fora de sua bolha. E isso não é novo em sua folha-corrida de decisões de assuntos supostamente justos.

Há 18 anos, na condição de vice-presidente do STF, Marco Aurélio de Mello afirmou estar “convencido do acerto” da sua decisão de determinar a libertação do dono do banco Marka, Salvatore Cacciola, e criticou o fato de o então presidente do STF, Carlos Velloso, ter restabelecido a ordem de prisão cinco dias depois, reportou a Folha de S. Paulo. Alguns devem se recordar que essa decisão permitiu a fuga de Cacciola para a Itália, que foi devolvido ao Brasil anos depois, com a ajuda do governo italiano. A mesma Itália que hoje quer a volta do condenado por assassinato Cesare Battisti. Um caso pouco conhecido de sua carreira de juiz e que explica bem seu enfoque em direitos das pessoas foi em 1996 quando Marco Aurélio, o juiz que aparenta contemplar seu próprio umbigo, reverteu a condenação de um encanador de Minas Gerais, condenado por estupro por manter relações sexuais com uma menina de 12 anos -- a lei presume que relações com menores de 14 anos, com consentimento ou não, são criminosas. “O que é o estupro? Filosofou ele, respondendo: é a conjunção carnal contra a vontade da mulher. Mas, no caso de Minas, tratava-se de uma moça que tinha uma vida condenável, saía com todo mundo”, disse o ministro em entrevista à Gazeta do Povo em 2009.

Em 2007, esse mesmo ministro, primo do ex-presidente Collor de Mello, apontado ao STF pelo próprio autor de “duela a quien duela”, votou a favor da liberdade de Suzane von Richthofen, a jovem de classe média alta que foi condenada a quase 40 anos de prisão pela morte dos pais, num caso em que acabou derrotado por três votos a um, decisão que a manteve presa. Mais recentemente, em fevereiro de 2017, o ministro mandou soltar o goleiro Bruno Fernandes de Souza, condenado a 22 anos e três meses de prisão pelo homicídio de Elza Samudio, mãe de um dos filhos do atleta.

A mais recente decisão, em 2016, desse “menino do Rio, calor que provoca arrepio”, juiz que optou pela soltura de milhares de condenados para atender ao pedido feito pelo Partido Comunista do Brasil, foi uma que envergonhou não apenas a si próprio mais uma vez, mas a todo STF, numa decisão que simplesmente foi ignorada. Ele concedeu liminar que afastava Renan Calheiros do cargo de presidente do Senado. A decisão contrariou o entendimento corrente de que, por terem mandatos concedidos pelo eleitor, parlamentares só podem ser afastados pelos seus pares. A sequência desse episódio acabou por desmoralizar o STF: Renan não recebeu a notificação do oficial de justiça e se negou a cumprir a decisão. Dias depois, o Plenário do STF decidiu por seis votos a três manter o senador no cargo, mas, ao mesmo tempo, afastá-lo da linha sucessória da Presidência da República.

Num País que precisa de paz, quase temos o Papai Noel dos corruptos, criminosos, malfeitores, assassinos, estupradores, traficantes e safardanas. Aliás, temos. Ainda bem que nossas instituições percebem que existe um mundo lá fora. E que ao tomar um avião também pode-se tomar uma opinião, pública, nos ouvidos. Que certamente a voz petulante e enfadonha de Marco Aurélio Mello, como sua decisão monocrática, não vai conseguir sobrepor.