Buscar no Cruzeiro

Buscar

Divisão do prejuízo

14 de Abril de 2020 às 00:01

Os efeitos da pandemia causada pelo novo coronavírus estão provocando uma mobilização inédita na área da saúde, uma verdadeira corrida contra o tempo para preparar a rede hospitalar do País para o pico das internações, o que deve ocorrer dentro de algumas semanas.

Em outra frente, há uma luta intensa para manter a economia no eixo e evitar o aprofundamento da crise causada em decorrência da quarentena.

Com comércio, fábricas e o setor de serviços fechados, muitas empresas ficam sem condições de pagar seus funcionários.

Apenas uma minoria, e ainda dependendo do tipo de atividade, consegue trabalhar em casa graças às facilidades oferecidas pela internet.

Mas não é o caso do comércio presencial, das indústrias, da maioria dos serviços.

Por esse motivo, e com o objetivo de preservar empregos, o governo criou uma Medida Provisória que permite a redução de até 70% do salário e da jornada de trabalho dos trabalhadores da iniciativa privada.

O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, criado pelo Ministério da Economia, já obteve muitas adesões.

Mas diante da situação de carência de recursos para o combate à epidemia, cabe a pergunta, qual a razão de medida semelhante com corte provisório nos benefícios e salários de políticos e servidores dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) não avançar?

Temos apenas algumas ações e projetos isolados, mas nada foi efetivamente decidido.

Parece que as autoridades desconversam quando cobradas sobre essa possibilidade.

Levantamento publicado neste final de semana pelo jornal Folha de S. Paulo mostra que se algumas medidas de corte provisório fossem adotadas, o governo economizaria bilhões de reais e poderia aplicar esses recursos na área da saúde ou ainda atender a outros reflexos da epidemia na economia do País.

Na segunda quinzena do mês de março, quando o novo coronavírus já avançava por diversos Estados brasileiros, um vídeo caseiro e com o depoimento sincero de um empresário de Marília, em que propunha a redução temporária do salário dos parlamentares, altos funcionários do Executivo e Judiciário teve milhões de acessos.

Viralizou, para usar um termo do meio eletrônico. Imediatamente surgiram propostas de alguns parlamentares que perceberam que a mensagem do empresário ganhara grande apoio popular.

A mensagem era clara: está na hora de os políticos e o funcionalismo também dividirem a conta.

No mesmo dia, um deputado federal paulista protocolou dois projetos (igualmente divulgados pelas redes sociais) em que propunha a redução do salário dos parlamentares e o corte de verbas parlamentares, com esses recursos sendo revertidos para o Ministério da Saúde.

Na mesma semana, outros parlamentares apresentaram projetos semelhantes, alguns propondo cortes mais severos: 50% dos salários nos Três Poderes durante o surto de coronavírus.

A aprovação do corte provisório de salários e benefícios de políticos e servidores de alto escalão do Legislativo, Judiciário e Executivo, nas três esferas (municipal, estadual e federal) criaria um caixa de bilhões de reais, mas não se sabe por qual motivo, tais iniciativas não avançam.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirma que na semana passada houve uma negociação com a participação dos governadores para a possibilidade de redução dos salários em todos os Poderes e esferas, mas muitos foram contra, inclusive o ministro de Economia, Paulo Guedes e com isso a proposta não avançou.

Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que em janeiro do ano passado, o funcionalismo federal consumia R$ 184 bilhões, o dos Estados R$ 299 bilhões e dos municípios R$ 268 bilhões, um total de R$ 751 bilhões aí incluídos os gastos com a área militar, benefícios e contribuições sociais.

Se a folha de pagamentos representa 85% desse total, somente uma redução geral de 25% por três meses renderia um caixa de R$ 36,8 bilhões.

Há ainda alguns absurdos que precisam ser corrigidos. Não faz sentido parlamentares receberem verbas para passagens aéreas, pagamento de motoristas e auxílio-alimentação, entre outros benefícios, se estão participando das votações por meio do plenário virtual, em suas residências.

Na Câmara de Sorocaba, onde também as sessões são on-line, alguns vereadores apresentaram propostas para redução de salários ou benefícios, mas como a matéria é inconstitucional se tiver como origem projeto dos vereadores. Iniciou-se então um movimento para a discussão do assunto com a prefeita Jaqueline Coutinho (PSL) para que o projeto de lei seja elaborado pelo Executivo. Mas não se tem notícias do avanço do tema.

Nada parece mais justo que dividir o ônus da pandemia entre trabalhadores da iniciativa privada, como já está sendo feito, e o funcionalismo público, principalmente as categorias de maior remuneração.

Dividir igualitariamente os custos seria uma atitude solidária e uma demonstração de amadurecimento democrático.