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26 de Maio de 2019 às 00:01

Em menos de uma semana, duas notícias chamaram a atenção daqueles que, de alguma maneira, se importam com o patrimônio histórico e cultural de Sorocaba. Na última quarta-feira, ficamos sabendo que a Prefeitura de Sorocaba renovou por mais quatro anos a cessão de uso do histórico Teatro São Rafael, um importante marco da nossa arquitetura, para a Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba (Fundec). O Teatro São Rafael é uma imponente edificação do século 19, construído em terreno doado pela família de Rafael Tobias de Aguiar, um dos sorocabanos mais ilustres de nossa história, e que governou a então Província de São Paulo durante o Império. Entre os seus feitos está a criação do que hoje é a Polícia Militar do Estado de São Paulo. Edificado em taipa de pilão nos fundos da residência da mãe do Brigadeiro, foi inaugurado em meados do século 19, durante o período áureo do ciclo do Tropeirismo e é testemunha da importância econômica de Sorocaba naquela época. A data exata de sua inauguração é polêmica. Segundo o historiador Aluísio de Almeida, teria sido fundado em 1835 pela Sociedade “Bela União Sorocabana”. Por ser uma construção de grande porte, demorou para ser concluído e talvez por isso tenha sido gravada a dada 1844 em uma soleira de mármore durante uma reforma realizada em 1909. Foi palco de inúmeros espetáculos e teve entre seus expectadores o Imperador D. Pedro II.

Voltando à atualidade, dois dias antes da assinatura da cessão de uso do teatro, a demolição da estação do Passa Três, coincidentemente nas proximidades do Casarão de Brigadeiro Tobias, no bairro do mesmo nome, chocou muitos sorocabanos. Foi posta abaixo por um invasor com o objetivo, segundo vizinhos, de aproveitar tijolos e batentes de janelas. A estação também era um prédio do século 19. Foi inaugurada em 1899 pela Estrada de Ferro Sorocabana e estava abandonada há muito tempo e ocupada por invasores, como este jornal denunciou em inúmeras ocasiões.

Dois prédios com valor histórico, duas realidades diferentes. O Teatro São Rafael, com sua arquitetura elegante, reunia a elite sorocabana e recebeu companhias de teatro famosas. Tinha 18 frisas, 14 camarotes, 145 cadeiras, 50 balcões e 300 lugares nas galerias. Ali se apresentou a Lírica Italiana em julho de 1875 como parte dos festejos da inauguração da Estrada de Ferro Sorocabana. A edificação funcionou como teatro até 1928 e passou a ser a sede da Prefeitura de Sorocaba em 1935, que ali se estabeleceu até 1980, quando foi inaugurado o Palácio dos Tropeiros no Alto da Boa Vista. Após rápida reforma, passou a abrigar a Câmara Municipal, papel que desempenhou até o ano 2000 quando também esta repartição mudou-se para prédio especialmente construído para essa finalidade no novo centro administrativo da cidade. Foi a partir de 2001 que o prédio projetado para ser um teatro voltou a ser utilizado para eventos culturais ao se transformar em sede da Fundec. Seis anos mais tarde, com apoio de empresas, foi construída a Sala Fundec, com palco, 244 lugares na plateia, especialmente projetado para apresentações artísticas. Da antiga estação, totalmente desfigurada e parcialmente demolida, quase não sobrou nada.

A Fundec, com seus cursos, orquestras, corais e exposições, concentra o que há de melhor em termos artísticos e culturais da cidade e é um exemplo raro que temos de como um patrimônio arquitetônico da magnitude do Teatro São Rafael pode ser perfeitamente preservado em suas características sendo extremamente útil para o município. Esse é o que deveria ser feito com outras edificações igualmente representativas como o prédio da Estação da Estrada de Ferro Sorocabana e o Fórum Velho, que hoje estão literalmente caindo aos pedaços e ameaçados de ter fim semelhante à da pequena Estação do Passa Três. O prédio do Fórum Velho, por sinal, que durante muitos anos abrigou a Oficina Cultural Grande Otelo, concentrou atividades culturais e artísticas semelhantes às exercidas hoje pelo São Rafael. Há planos e projetos para sua restauração e reinserção no cenário cultural. Falta apenas que o desejo dos sorocabanos se imponha e as autoridades do município, responsáveis pela preservação de nosso patrimônio, se empenhem em sua recuperação para que possa voltar a ser um polo irradiador de cultura.