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Desgaste e demissão

18 de Junho de 2019 às 00:01

Joaquim Levy pediu demissão do cargo de presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que ocupava desde o início do governo. Não havia alternativa depois que o presidente Jair Bolsonaro disse em entrevista que estava “por aqui” com o presidente do banco estatal. O fato que precipitou a reação do presidente teria sido o fato dele ter sido alertado por seus apoiadores, de que Marcos Pinto, que atuou em governos petistas, havia sido nomeado para o cargo de diretor da área de mercado de capitais do banco. Uma análise mais aprofundada do episódio, entretanto, mostra que o fim da trajetória de Levy à frente do BNDES já era esperado, independente das declarações intempestivas do presidente.

Na realidade, Levy convivia ultimamente com vários atritos com diversos setores do governo. No campo técnico, havia uma rota de colisão entre o presidente do banco e o próprio ministro Paulo Guedes, seu superior imediato, que o levou para o cargo. Guedes exigia que o BNDES devolvesse ao Tesouro Nacional R$ 126 bilhões, saldo de uma transferência gigante ainda no governo Lula, para que o banco fomentasse a economia interna para enfrentar a “marolinha” de 2008, ou seja, os reflexos da crise internacional que afetou principalmente os Estados Unidos. Mais de R$ 300 bilhões já foram devolvidos para o Tesouro desde o governo Temer, mas o atual governo quer mais, mesmo porque pretende diminuir o tamanho e a influência do banco. A devolução desse dinheiro encontrava resistência no presidente da instituição. Havia também atritos no campo político. O presidente Bolsonaro fez sua campanha eleitoral denunciando irregularidades dos governos do PT, entre elas o financiamento a grupos econômicos considerados “amigos” daqueles governos e de financiamentos de projetos de governos estrangeiros, entre eles Venezuela, Cuba e Angola. Joaquim Levy encontrou resistência entre os próprios executivos do banco estatal e não se empenhou para esclarecer de maneira clara como certos grupos econômicos foram beneficiados durante os últimos anos e muito menos sobre os financiamentos externos, a “caixa-preta” a que se refere o presidente.

Levy entrou para o governo de maneira pouco ortodoxa. Quando Paulo Guedes estava formando sua equipe no Ministério da Economia e anunciou que Levy seria responsável pelo BNDES, foi chamado pelo então presidente eleito para dar explicações. Queria saber a razão de indicar um ex-ministro da presidente Dilma Rousseff e ex-secretário de Sérgio Cabral para o cargo. Guedes defendeu a formação acadêmica do indicado -- ambos são doutores pela Universidade de Chicago -- por sua capacidade profissional e influência nos meios empresariais. O presidente acabou aceitando a indicação, mas durante os seis meses em que Levy dirigiu o banco, nunca deixou de cobrar pelas redes sociais informações sobre a tal “caixa-preta”, sobretudo a países ideologicamente identificados com os governos petistas e que não estão sendo honrados.

O BNDES foi criado em 1952 durante o último governo de Getúlio Vargas com o propósito de financiar o desenvolvimento da economia do País fazendo empréstimos a longo prazo com taxas de juros competitivas, menores daqueles cobrados pelos bancos privados. Como a direção do banco é nomeada pelo ministro da Economia ou pela Presidência da República, influências políticas são praticamente inevitáveis. A importância do BNDES no fomento à atividade econômica é grande, principalmente num país acostumado com a mão generosa do governo. Ele responde por praticamente a metade de todos os financiamentos para empresas com prazo de pagamento acima de cinco anos.

É no incentivo do setor privado que surgem as situações polêmicas. Entre os maiores beneficiários dos empréstimos nos últimos anos estão empresas envolvidas até o pescoço nas denúncias de corrupção como os grupos Odebrecht e JBS. Durante muito tempo, dados sobre as atividades do banco não eram divulgados e em 2012, por exemplo, um mês após a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, o ministro do Desenvolvimento da época, Fernando Pimentel, tornou secretos documentos que tratavam de empréstimos aos governos de Cuba e Angola. Parte dos dados passaram a ser divulgados pelo banco a partir de 2015, por decisão do Supremo Tribunal Federal. Só então o Tribunal de Contas da União passou a ter acesso aos dados.

Fato é que governos como de Moçambique, que ganhou um aeroporto internacional financiado pelo BNDES, não paga sua dívida. Venezuela e Cuba também não pagaram algumas parcelas de seus débitos. Esclarecer essas situações de inadimplência, a quantia exata dos empréstimos suspeitos e o favorecimento de certos grupos econômicos é o mínimo que o ex-presidente do BNDES poderia ter feito para atender à solicitação do presidente. Sem isso, ficou em situação insustentável, o que o levou ao pedido de exoneração.