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Demissão que abala o governo

25 de Abril de 2020 às 00:01

Poucos pronunciamentos públicos tiveram, nas últimas décadas, tanta repercussão como as declarações do ex-ministro Sergio Moro na manhã desta sexta-feira (24), durante uma entrevista coletiva transmitida ao vivo para todo o País.

Na ocasião, Moro comunicou sua saída do Ministério da Justiça e Segurança Pública, pasta que dirigiu desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro.

Moro, que fez carreira como juiz federal em Curitiba, destacou-se nos últimos anos pela maneira como conduziu a Operação Lava Jato, a maior ação contra a corrupção que este país já realizou e foi nessa condição, de defensor do combate intransigente contra a corrupção que foi convidado, no final de 2018, a ocupar a Pasta da Justiça pelo então presidente eleito Jair Bolsonaro.

Moro pediu exoneração de seu cargo de juiz e aceitou o convite para ocupar um “superministério” nas palavras do futuro presidente. A sua presença deu um peso extra de credibilidade ao novo Ministério do governo que ali começava.

A reação à saída de Moro foi imediata e mesmo os defensores mais aguerridos do presidente perceberam que o estrago entre os apoiadores foi grande.

Se a saída do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que estava à frente do combate à pandemia causada pelo novo coronavírus, causou estragos à imagem do governo, nada se compara ao impacto da saída do ministro da Justiça.

Para um governo que tem por hábito medir prestígio e reações do eleitorado pelas redes sociais, a preocupação só aumenta, pois fica evidente que o presidente queimou boa parte de seu capital político. Grupos de apoio ao governo começaram nesta sexta-feira a pular fora do barco.

É o a que aconteceu, para mencionar apenas um exemplo, com o Instituto Brasil 200, grupo de empresários que vinha apoiando as ações do presidente desde o início do mandato. Na opinião de Gabriel Kanner, presidente da entidade, foi uma “decepção absoluta”.

Ele afirmou em entrevista que todos os que acreditaram no discurso do combate à corrupção se sentem traídos. Também classificou de muito graves as acusações que Moro fez ao deixar o governo.

A vida de Sergio Moro não foi fácil no período em que esteve à frente do Ministério da Justiça. A ser convidado para compor o governo lhe prometeram um superministério que começou a ser esvaziado logo no início do governo. Foi prometida uma carta branca, mas não foi isso que aconteceu.

As derrotas começaram no início do governo quando foi editado o projeto que facilita as regras para a posse de arma. A forma final do decreto foi muito diferente do texto elaborado por ele.

Outro desgaste veio em agosto do ano passado, quando o presidente Bolsonaro anunciou que iria trocar o superintendente da PF do Rio, por suposta baixa produtividade, fato negado pela corporação, sendo registrada como uma interferência do presidente da República no órgão.

Houve ainda a decisão do governo em retirar o Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf), principal órgão de combate à corrupção no País, da estrutura ministerial para o Banco Central, outra derrota de Moro, que havia utilizado muitas informações do órgão durante a operação Lava Jato.

Mas a maior derrota de Moro na pasta da Justiça foi ver seu Pacote Anticrime ser desidratado no Congresso. Além do excludente de ilicitude, que reduziria a pena a policiais que causassem morte durante a atividade, os parlamentares retiraram a “plea bargain” (uma nova modalidade de negociação na qual o acusado pode confessar o crime em troca de não se submeter ao processo judicial e, assim, receber uma pena mais branda) e a prisão em segunda instância. Por outro lado, acrescentaram o juiz de garantias, cuja inserção o então ministro era contra.

Moro também enfrentou a tentativa de retirar a área de Segurança Pública da pasta da Justiça, com a criação de um novo ministério que passaria a ser responsável pela Policia Federal. A mudança esvaziaria consideravelmente o poder do ministro a quem tinha sido oferecido um superministério.

A insistência na troca do diretor-geral da PF nos últimos dias e a demissão publicada no Diário Oficial de ontem foram os episódios finais de Sergio Moro no Ministério da Justiça, que pediu exoneração do cargo.

O ex-juiz, apesar dos reveses sofridos ao longo dos últimos 16 meses em que esteve à frente do Ministério, conservou a imagem de pai da Lava Jato, que desbaratou o maior esquema de corrupção da história recente do País e levou para a cadeia políticos, empresários e até um ex-presidente da República.

Assumiu e deixou o cargo com uma imagem de cidadão íntegro e que mudou o patamar de combate à corrupção no Brasil.

No final da tarde, o presidente Bolsonaro fez um pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão posicionando-se sobre a saída do ministro, defendendo-se de algumas acusações e colocando em dúvida algumas afirmações de Moro.

Quem está com a razão? Eventuais investigações pelos órgãos competentes poderão esclarecer essas questões em um futuro próximo.